São Paulo, sábado, 19 de julho de 2008 |
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TEATRO Montagem com Caco Ciocler expõe homem em confronto com a fé DA REPORTAGEM LOCAL
Dois anos depois de criticar as elites em "O Inimigo
do Povo", o diretor Sérgio
Ferrara retoma a dramaturgia de Henrik Ibsen (1828-1906) com o que ele brinca
ser "o inimigo de Cristo".
O desafeto é o imperador
romano Juliano (331-363),
protagonista de "Imperador
e Galileu", que enfureceu a
Igreja Católica ao instituir a
liberdade religiosa em seus
domínios e impor restrições
ao clero (como receber doações e ensinar nas escolas)
-o Galileu do título é Jesus
Cristo.
Inédita em palcos brasileiros (segundo a produção da
montagem, em cartaz desde
ontem em São Paulo), a peça
é anterior aos textos que
consagraram o norueguês,
como "Casa de Bonecas"
(1879), "Inimigo..." (1882) e
"Hedda Gabler" (1890). Foi
escrita entre 1864 e 1873 -na
verdade, são dois volumes de
cinco atos; o que se verá em
cena é o segundo, "Imperador Juliano, o Apóstata".
O autor a considerava sua
obra definitiva; a crítica se
permitiu discordar.
"Queria mostrar o pai da
dramaturgia contemporânea
num momento em que ainda
estava muito influenciado
por Shakespeare (1564-1616). Vê-se ali um Ibsen ainda apaixonado pelo teatro
épico, por uma construção
dramatúrgica muito mais
elaborada, não tanto o drama
social burguês da fase seguinte", diz Ferrara.
No paralelo com Shakespeare, Juliano seria uma espécie de Hamlet redivivo em
que a hesitação diante da
vingança pela morte do pai é
substituída pela dúvida existencial: criado na tradição
católica, ele se sente prisioneiro de dogmas moralistas
-as visões noturnas (o pai,
para Hamlet; Jesus e deuses
pagãos greco-romanos, para
Juliano) são outro elo entre
os personagens.
"Acho interessante propor
ao público outra forma de
olhar a peça: não há um conflito desenvolvido aristotelicamente. É uma peça de
idéias, quase um debate filosófico em que se fala da condição do homem diante da
fé", afirma o diretor.
Para Caco Ciocler, que interpreta Juliano, a atemporalidade do texto é garantida
pelo retrato que faz de "como
o poder se utiliza da fé para
justificar atos cruéis e dominar um povo".
Ferrara eleva o tom: "Uma
igreja que diz que você não
pode usar camisinha... isso é
um absurdo. As pessoas estão morrendo de Aids. Ela
ainda está no século 4 [quando se passa o espetáculo]. Isso é impossível, não pode
acontecer".
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