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CINEMA
Em seu filme mais recente, "A Dama de Honra", diretor francês foca as peculiaridades de uma família da classe média
Chabrol persegue fantasmas de carne e pedra
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
"Sua arte é a de nos fazer
participar da vertigem que
sentem os personagens e, além da
vertigem, nos revelar a profundidade de uma idéia moral." Tal frase poderia servir como interpretação tanto de "A Dama de Honra",
último filme de Claude Chabrol,
quanto de outros filmes do diretor francês ("Ciúme - O Inferno
do Amor Possessivo" ou "Mulheres Diabólicas", para citar títulos
conhecidos). A frase, porém, descreve situações que Alfred Hitchcock impunha a seus personagens
e o valor que extraía disso e foi cunhada por Chabrol e Eric Rohmer
no primeiro livro de análise em
conjunto da obra de Hitchcock,
escrito pela dupla de então críticos franceses em 1957.
Depois disso, "hitchcockiano"
se transformou até em adjetivo.
Contudo, para Chabrol não se trata, ingenuamente, de emular efeitos, mas de usar o cinema como
lente de aumento moral. E é disso
que ele se ocupa, com maestria,
nesse delicioso e misterioso "A
Dama de Honra".
O quadro social é a velha conhecida classe média provinciana, foco da atenção de Chabrol desde
seus primeiros filmes. E seu modo
de narrar dá conta de capturar em
nuances os vários tipos de disfunção que a família, na folia de parecer ajustada, produz em profusão.
O relato de Chabrol se atém
com tanto interesse às peculiaridades de cada integrante que o espectador fica a esperar um bom
tempo pelo núcleo central. Nada
há de errado nisso, ao contrário.
Pois, ao fazê-lo, Chabrol descreve
essa variedade de tipos e de comportamentos que, em instantes,
vai se revelar "problemática". Da
irmã caçula rebelde e protocriminosa a Philippe, o irmão mais velho engomadinho e bem-sucedido nos negócios e ao mesmo tempo refém da sedução edipiana,
passando pela mãe sempre solícita à cozinha, a câmera de Chabrol
nos faz interessar por cada um
desses tipos só para termos certeza que de perto ninguém é normal.
Quando entra em cena a tal dama de honra é que Chabrol põe à
prova de uma vez por todas os limites da normalidade. Philippe e
a sedutora Senta, o certinho e a
maluca, são tragados por uma
paixão à primeira vista vertiginosa. Essa irrupção do mistério e do
fantasma já se anunciava sob a
forma de símbolo na fixação de
Philippe pelo busto de pedra do
jardim.
Para Chabrol, no entanto, um
fantasma de pedra só não basta. É
sob a forma ultracarnal de Senta
(Laura Smet, uma aparição) que a
tal vertigem que Chabrol recupera de Hitchcock passa a funcionar
à perfeição. Reencarnação cinematográfica da Kim Novak de
"Um Corpo que Cai" (também
um fantasma), a garota mitômana aspira o pobre apaixonado para dentro do imaginário. A partir
de seu encontro, fato e imaginação perdem todos os sinais que os
distinguem, e o espectador, seu
ponto de apoio. E só vai poder
contar mesmo com a crença de
que quando sair do cinema conseguirá voltar a distinguir o que é
do que não é e o que é do que pode
ser.
(CÁSSIO STARLING CARLOS)
A Dama de Honra
La Demoiselle d'Honneur
Direção: Claude Chabrol
Produção: França/Alemanha/Itália,
2004
Com: Benoît Magimel, Laura Smet
Quando: a partir de hoje no cine HSBC
Belas Artes/Sala Aleijadinho
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