São Paulo, sexta-feira, 20 de janeiro de 2006

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CINEMA

Em seu filme mais recente, "A Dama de Honra", diretor francês foca as peculiaridades de uma família da classe média

Chabrol persegue fantasmas de carne e pedra

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

"Sua arte é a de nos fazer participar da vertigem que sentem os personagens e, além da vertigem, nos revelar a profundidade de uma idéia moral." Tal frase poderia servir como interpretação tanto de "A Dama de Honra", último filme de Claude Chabrol, quanto de outros filmes do diretor francês ("Ciúme - O Inferno do Amor Possessivo" ou "Mulheres Diabólicas", para citar títulos conhecidos). A frase, porém, descreve situações que Alfred Hitchcock impunha a seus personagens e o valor que extraía disso e foi cunhada por Chabrol e Eric Rohmer no primeiro livro de análise em conjunto da obra de Hitchcock, escrito pela dupla de então críticos franceses em 1957.
Depois disso, "hitchcockiano" se transformou até em adjetivo. Contudo, para Chabrol não se trata, ingenuamente, de emular efeitos, mas de usar o cinema como lente de aumento moral. E é disso que ele se ocupa, com maestria, nesse delicioso e misterioso "A Dama de Honra".
O quadro social é a velha conhecida classe média provinciana, foco da atenção de Chabrol desde seus primeiros filmes. E seu modo de narrar dá conta de capturar em nuances os vários tipos de disfunção que a família, na folia de parecer ajustada, produz em profusão.
O relato de Chabrol se atém com tanto interesse às peculiaridades de cada integrante que o espectador fica a esperar um bom tempo pelo núcleo central. Nada há de errado nisso, ao contrário. Pois, ao fazê-lo, Chabrol descreve essa variedade de tipos e de comportamentos que, em instantes, vai se revelar "problemática". Da irmã caçula rebelde e protocriminosa a Philippe, o irmão mais velho engomadinho e bem-sucedido nos negócios e ao mesmo tempo refém da sedução edipiana, passando pela mãe sempre solícita à cozinha, a câmera de Chabrol nos faz interessar por cada um desses tipos só para termos certeza que de perto ninguém é normal.
Quando entra em cena a tal dama de honra é que Chabrol põe à prova de uma vez por todas os limites da normalidade. Philippe e a sedutora Senta, o certinho e a maluca, são tragados por uma paixão à primeira vista vertiginosa. Essa irrupção do mistério e do fantasma já se anunciava sob a forma de símbolo na fixação de Philippe pelo busto de pedra do jardim.
Para Chabrol, no entanto, um fantasma de pedra só não basta. É sob a forma ultracarnal de Senta (Laura Smet, uma aparição) que a tal vertigem que Chabrol recupera de Hitchcock passa a funcionar à perfeição. Reencarnação cinematográfica da Kim Novak de "Um Corpo que Cai" (também um fantasma), a garota mitômana aspira o pobre apaixonado para dentro do imaginário. A partir de seu encontro, fato e imaginação perdem todos os sinais que os distinguem, e o espectador, seu ponto de apoio. E só vai poder contar mesmo com a crença de que quando sair do cinema conseguirá voltar a distinguir o que é do que não é e o que é do que pode ser. (CÁSSIO STARLING CARLOS)

A Dama de Honra
La Demoiselle d'Honneur
    
Direção: Claude Chabrol
Produção: França/Alemanha/Itália, 2004
Com: Benoît Magimel, Laura Smet
Quando: a partir de hoje no cine HSBC Belas Artes/Sala Aleijadinho


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