São Paulo, sexta-feira, 20 de janeiro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"O SOL DE CADA MANHÃ"

Cage vive homem sem lugar no mundo

THIAGO STIVALETTI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Não se deixe enganar pelo título em português. "O Sol de Cada Manhã" parece nome de um daqueles melodramas rasgados de Douglas Sirk ou de uma fábula americana à la Frank Capra. Ao contrário, "The Weather Man" (O Homem do Tempo, em inglês) constrói uma fábula da desilusão que pouco lembra o universo de Capra, diretor de "A Felicidade Não se Compra".
Num registro melancólico, Nicholas Cage dá prova do seu talento como David Spritz, o homem do tempo de um canal de TV em Chicago, divorciado e pai de dois filhos, que sonha com a promoção para uma emissora maior de Nova York. Sua figura na TV existe para dar ao menos uma certeza aos que o assistem: a de que hoje ou amanhã vai chover, ou fazer sol, ou nevar. Mas Spritz é um homem com cada vez mais dúvidas sobre si mesmo.
Ele dedica o máximo de tempo à filha gorda e desajustada, mas não entende por que seus esforços para "melhorá-la" não dão certo. Também tenta se reaproximar da ex-mulher (Hope Davis), mas só consegue piorar a hostilidade dela. Quer ser motivo de orgulho para o pai (Michael Caine), um grande escritor hoje no ostracismo, mas o máximo que consegue é ser alvo de milk-shakes que os transeuntes lhe jogam na cara.
O diretor Gore Verbinski, que até hoje só fez filmes comerciais como "O Chamado" e "Piratas do Caribe", consegue construir o tocante retrato de um homem que não consegue encontrar seu lugar no mundo. Por meio de uma narração em primeira pessoa, dá a ver a profundidade dos questionamentos e dilemas de Spritz, mas tudo o que o mundo enxerga nele é um ser patético. O subtexto contém uma ácida crítica ao discurso do sucesso a qualquer preço e à felicidade superficial promovidos pela cultura americana -representada em uma das melhores cenas do filme por um bizarro balão do Bob Esponja.
Verbinski deve ter Antonioni como um de seus mestres. Os planos finais, com Spritz andando por uma improvável rua deserta (que lembra "O Eclipse") e depois impresso contra um chroma-key verde do estúdio de TV (como as pessoas diante das paredes brancas em "A Noite") dão conta da imensa solidão de estar no mundo e da impossibilidade de comunicar o universo interior ao outro. Um pequeno grande filme.


O Sol de Cada Manhã
The Weather Man
   
Produção: EUA, 2005
Direção: Gore Verbinski
Com: Nicholas Cage, Michael Caine
Quando: a partir de hoje no Metrô Santa Cruz, Market Place Playarte e circuito


Texto Anterior: Cinema: Chabrol persegue fantasmas de carne e pedra
Próximo Texto: Música: Especial celebra legado de Adoniran Barbosa
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.