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CRÍTICA
O sonho olímpico à beira do abismo
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
As Olimpíadas ainda nem começaram, mas o Brasil já
tem seu candidato a herói, ou
melhor, candidata a heroína
olímpica: Daiane dos Santos. A
expectativa é enorme: nos programas esportivos que precedem
os Jogos de Atenas, ela é tratada
como a grande promessa de medalhas, de glória, de heroísmo.
Não é de todo descabido esse
tratamento. Daiane é, de fato,
uma atleta excepcional, vem obtendo resultados expressivos em
competições internacionais, deu
nome a um salto que só ela consegue fazer etc. Mas o problema é
transformar o desejo de que a ginasta se saia bem em comemoração por antecipação. A competição olímpica pode reservar surpresas e é já de se perguntar o que
acontecerá com Daiane, se seu
"sonho olímpico", para usar
uma expressão presente em nove
entre dez matérias de programas
esportivos, não se realizar.
Para a TV, o esporte é a arena
por excelência onde se criam e
destroem heróis. Nas Olimpíadas, um raro momento em que a
hegemonia absoluta do futebol
como preferência nacional dá lugar a outras modalidades, outros
nomes, outras imagens, essa possibilidade se multiplica, e daí essa
espécie de corrida em determinar aqueles que devem ou não
merecer nossa devoção.
É ambígua a relação dos brasileiros com seus heróis esportivos. Em primeiro lugar, temos a
tendência a ser condescendentes
no atacado e rigorosos no varejo.
Perdoamos com mais facilidade
um time que vai mal do que o esportista individual ou a estrela do
time que falha. Lembremos de
como Ronaldo, em 98, despencou para a posição de vilão em
apenas uma partida e, em 2002,
só ali depois do jogo contra a Inglaterra voltou plenamente a seu
posto de herói do futebol.
Em segundo lugar, mesmo que
os feitos atestem a potencialidade desse ou daquele atleta tornar-se um herói, temos um eterno pé atrás. Por alguma razão,
por alguma espécie de premonição do desastre, desconfiamos de
sua capacidade até o final, apostamos que eles não irão satisfazer
plenamente nossa sede de triunfo. Talvez pela história errática de
feitos esportivos, talvez por uma
espécie de incapacidade de acreditarmos sem ressalvas no outro,
o fato é que os nossos heróis do
esporte nos parecem na iminência de um fracasso.
Mas esporte na TV é, como se
diz, emoção em estado obrigatório e essa desconfiança não combina com a espécie de histeria
que toma a cobertura esportiva.
A solução é bombardear o espectador com a certeza de que as
previsões têm que dar certo.
Uma observação se impõe: esta
coluna torce para que Daiane se
transforme em nossa heroína
por força de suas proezas, não
pela insistência da TV. Desde
Nadia Comaneci, que apresentou a ginástica agora chamada de
artística para a minha geração, a
visão dessas meninas que voam
está entre as mais impressionantes e belas imagens que um esporte pode proporcionar.
@: biabramo.tv@uol.com.br
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