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Crítica/erudito
Yo-Yo Ma conquista o público ao criar sentidos em cada compasso musical
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Foram só dois bis -um
"Prelúdio" de Gerswhin
(1898-1937) e "O Cisne"
de Saint-Saens (1835-1921)-,
mas àquela altura, se tivessem
tocado 20, a platéia não arredava dali. E não era para menos:
superaguardado, hipermidiatizado, o concerto do violoncelista Yo-Yo Ma, acompanhado pela pianista Kathryn Stott,
transformou logo em pó todo o
"hype" da antecipação, consumido na hora pela força da música.
Não é fácil entender por que
alguns músicos têm isso, enquanto tantos outros não têm.
O apelo público é uma combinação sem receita de talento,
inteligência, senso de oportunidade, sorte, investimento,
personalidade. Nem sempre a
música resiste a seu sucesso.
Mas, com Yo-Yo Ma, tudo parece natural e justo, como soa justo e natural tudo o que o ele faz
com seu instrumento.
A impressão final, depois de
Schubert (1797-1828), depois
de Shostakovich (1906-75), depois de César Franck (1822-90), é a de um artista que sabe
se levar até onde pode -mais
do que pode a maioria-, sem
que isso passe, em momento algum, por exibição. É um músico de grande intensidade, fabricando sentidos a cada compasso, jamais desatento ou distante. Está dentro da música do começo ao fim; e o caminho de cada peça vira também um caminho emocional, vivido por
quem toca e por quem escuta.
Mesmo as duas peças menores do programa, dois agrados
para a turnê latino-americana,
primeiro o "Grand Tango" de
Piazzolla (1921-92) e depois
"Bodas de Prata/ Quatro Cantos", de Egberto Gismonti
(1944), que faz parte do CD
"Obrigado, Brazil", cresceram
nessa companhia e sobreviveram à vizinhança. Artes também da pianista inglesa, que
tem dedos e imaginação, sem
ofuscar o carisma do parceiro.
Os dois respiram juntos e vão
modelando circunstâncias musicais, que passam de uma a outra em transições sutis. Isso foi
verdade na variadíssima, irônica "Sonata" de Shostakovich, e
não menos verdade na famosa
"Sonata" de Franck. Foi verdade, aliás, desde o começo, com a
"Arpeggione" de Schubert; ou,
para ser exato, desde antes do
começo, com a não identificada
fantasia oriental (com tema
quase schubertiano) que Yo-Yo
Ma atacou no violoncelo solo,
como prelúdio.
Pensado em retrospecto, o
programa parecia mais coerente ainda, uma linda noite de
música, sem um traço de preguiça nem de pretensão. Quem
faz música assim sempre ensina a ir além da música. Quem
vai além, pode voltar a ela, agradecido e feliz.
YO-YO MA E KATHRYN STOTT
Quando: hoje, às 21h
Onde: teatro Cultura Artística (r. Nestor Pestana, 196, tel. 0/xx/11/3258-3344)
Quando: R$ 120 a R$ 250 (ingressos
esgotados)
Avaliação: ótimo
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