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Arrecadação de direitos autorais dobra enquanto mercado vive crise; desconhecidos integram ranking dos que mais faturam
Agoniza, mas não morre
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
Como no samba de Nelson Sargento, a música anda em pique de
"agoniza, mas não morre".
A bordo de uma situação de pânico que tem dimensões mundiais, a indústria brasileira de discos vive uma das mais fundas de
suas crises -de 1997 para 2002, as
gravadoras perderam 38% de seu
faturamento em moeda local,
com perda real acumulada de
56%. A pirataria já devora 59% do
mercado, segundo estimativa da
ABPD (Associação Brasileira dos
Produtores de Discos).
Mas nesse deserto há um estranho oásis: também entre 1997 e
2002, a arrecadação de direitos
autorais pelo consumo de músicas em público deu um forte salto
e cresceu 55%.
Levantamentos recentes demonstram que quem mais lucrou com
direitos autorais no primeiro semestre de 2003 foram medalhões
da MPB com 30 ou 40 anos de estrada. O pódio dos autores mais
executados em rádio está ocupado, nesta ordem, por Roberto
Carlos, Djavan, Caetano Veloso,
Erasmo Carlos e Chico Buarque.
Estranho no ninho, surge em
sexto o carioca Jorge Vercilo, 33,
que supera o ministro Gilberto Gil
e encabeça uma lista de nomes em
geral pouco conhecidos, mas que
arrecadam muito por compor
músicas para ídolos sertanejos e
populares.
É habitual que autores de gêneros da moda tomem os primeiros
postos nesse tipo de ranking, como aconteceu por anos com
Leandro Lehart (do Art Popular),
hoje desaparecido das listas junto
com o pagode dos 90.
Porém, em períodos de escassez
de novos modismos alavancados
por gravadoras e de novos talentos em geral, acaba sobrando para
robertos e caetanos, que possuem
centenas de composições rodando nas rádios de forma mais ou
menos constante.
Tiroteio
A arrecadação de direitos pela
execução de músicas em rádios,
TVs, shows e espaços públicos em
geral é centralizada no Brasil pelo
Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição).
O escritório, uma entidade privada criada por lei federal em
1973 e gerida por associações de
compositores, atribui a melhora à
modernização iniciada em 1997
pela gestão de Glória Braga, 38,
em sua superintendência.
A arrecadação em alta não significa que, nos bastidores, o clima
seja de paz. Entre cerca de 30 artistas e titulares de direitos ouvidos pela Folha, é quase consensual a impressão de que o Ecad
-que já foi até motivo de CPI, no
início dos anos 90- vem mesmo
melhorando no correr dos anos.
Mas poucos autores afirmam
sentir diretamente o efeito do aumento de 55% na arrecadação.
"Infelizmente meu bolso não sentiu esse aumento. Para mim está
igual", afirma Fernanda Abreu.
Alternando elogios e críticas ao
Ecad, o sambista Nei Lopes define
sua impressão geral sobre a instituição: "É o chamado mal necessário, como um necrotério ou um
presídio. Já pensou se essas coisas
não existissem?".
Imagem
De dentro do próprio escritório,
Glória Braga admite a má imagem
de que gozam atualmente as instituições musicais brasileiras, Ecad
incluído. "Não acho que essa imagem seja injusta. As instituições
musicais têm que fazer um grande mea-culpa, porque nunca tentaram explicar o que fazem."
"O que o Ecad faz hoje é, permanentemente, tentar explicar",
completa, dizendo que muitos artistas desconhecem por completo
os mecanismos da arrecadação.
Alguns fazem acusações frontais, como é o caso de Kika Seixas,
ex-mulher e administradora de
parte do espólio de Raul Seixas,
um tradicional bom arrecadador:
"Tenho conhecimento de arrecadação de shows de artistas com
que trabalho que jamais chegaram aos autores, porque os fiscais
recebem propina dos donos de
casas ou simplesmente dizem que
a casa estava vazia. Recolher eles
recolhem, mas distribuir...".
Glória Braga sabe que essa é
uma suspeita frequente que pesa
sobre o Ecad. "Minha resposta é
sempre a mesma: nenhum fiscal
do Ecad é treinado para pedir dinheiro de ninguém. Se nos passarem o nome da pessoa que fez isso, ela será demitida por justa
causa", afirma, lamentando o silêncio de quem se sente lesado.
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