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CRÍTICA
Silvio Santos na fila da eternidade
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
Quem precisa de ficção
quando se tem Silvio Santos? Ou melhor, para que Silvio
Santos vai gastar dinheiro com
jornalismo e teledramaturgia,
quando ele mesmo é capaz de
produzir versões particularíssimas de ambos, com apenas um
telefonema?
Há dez dias a imprensa não pára de falar em Silvio Santos, ora
para investigar o grau de veracidade de suas afirmações, ora
querendo descobrir a história
por trás da história. Seria um factóide? Uma pegadinha? O trailer
de um "reality show" bizarro?
Uma estratégia consciente de
marketing? Nenhuma dessas hipóteses parece dar conta do
ocorrido.
Onde falham as ferramentas da
análise e da investigação, talvez
as da ficção sejam mais eficazes.
O título da obra, uma peça para
ser encenada no circo da mídia,
poderia ser "Ninguém Fura a Fila
da Eternidade". Soa pomposo à
primeira vista, mas, num segundo exame, não esconde seu ar de
filosofia barata.
O cenário é Celebration, Flórida, uma cidade planejada, construída e mantida por um megaconglomerado de empresas especializadas em parques de diversão. Concebida como uma espécie de síntese do ideal norte-americano de cidade pequena,
Celebration parece ser a Terra do
Nunca levada a sério.
O protagonista é um "self-made man" que, dizem, em algumas
décadas passou de camelô a dono da segunda maior emissora
de televisão do Brasil. Depois de
anos como apresentador de programas de auditório e dono de
um negócio chamado Baú da Felicidade, ele se dedica ao hobby
de criar histórias em que o personagem principal é ele mesmo. A
melhor foi uma tentativa de candidatura à Presidência da República na primeira eleição direta
feita depois de 25 anos de regime
militar.
O telefone toca. A repórter de
uma tradicionalíssima revista de
TV liga para Silvio Santos. Ela
tenta apurar informações sobre
uma doença terminal. O homem
desanda a falar. Confirma a
doença, diz que vai morrer -em
seis anos. Anuncia a venda do
SBT a ninguém menos que uma
rede mexicana de TV, a Televisa,
e a José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, outrora o "homem forte"
da sua principal concorrente. Diz
que não volta mais ao Brasil. Como nos roteiros mais vagabundos, para qualquer questionamento da jornalista, ele tem uma
resposta, ainda que capenga.
As informações são falsas, mas
a capa da revista é verdadeira e
começa a gerar desdobramentos
-estes, por sua vez, também
reais. Repórteres procuram saber o que diretores da empresa e
outras personalidades televisivas
acharam disso tudo. Agências internacionais ecoam. Anunciantes ficam temerosos. As ações da
emissora despencam. O público
não acredita -mas ainda assim
acorre à TV aos montes. Os jornais e revistas comentam.
E o pior é que o pano nunca cai.
E-mail: biabramo.tv@uol.com.br
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