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Teste de resistência
Festival em galeria paulistana traz de volta a questão: há vida criativa entre as performances?
SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL
Dez homens e mulheres -todos nus- se espremem dentro
de um Fusca no pátio da galeria
Vermelho, em São Paulo. O público acompanha a ação num
silêncio quase fúnebre, quebrado por risos quando um dos
ocupantes do carro aperta a buzina sem querer. Volta o silêncio, e os olhos ao redor acompanham a sucessão de pernas,
braços, cabeças e bundas se
contorcendo atrás das janelas
embaçadas.
Há suspiros, gritos de "delícia" de um ou outro espectador,
e um consenso de que já viram
isso antes em alguma brincadeira de programa de auditório
dominical -só que com roupas.
"Existe mesmo essa gincana,
mas quem tiver um olhar mais
delicado vai conseguir ver além
dessa referência", opina Daniel
Fagundes, artista responsável
pela ação ocorrida no festival
de performances Verbo, encerrado ontem na Vermelho.
Foram 51 trabalhos, entre vídeos e performances ao vivo,
que colocaram em pauta a resistência da performance na arte hoje. O gênero, que teve
maior expressão nos anos 60,
também está sendo lembrado
com a exposição, na galeria Brito Cimino, da sérvia Marina
Abramovic, considerada a
maior performer viva. E será
parte importante da próxima
Bienal de São Paulo, em outubro -seis dos 38 artistas já confirmados farão performances.
Apesar da aparente vitalidade, o que se viu na Verbo se conjuga como dúvida na visão de
curadores, críticos e artistas
ouvidos pela Folha. Além do
Fusca cheio de gente pelada,
houve a exibição de uma fisiculturista de fio dental, uma
passeata de estandartes e cartazes em branco, cortes de cabelo e uma caixa de areia em
que o público podia urinar.
"Há um certo desgaste", diz o
curador Paulo Herkenhoff.
"Nos anos 60 e 70, a performance tinha um caráter de
contracultura, de ampliação da
linguagem. Hoje essas questões
já não se colocam, há poucas
boas performances no Brasil."
"Hoje nada mais espanta",
opina a crítica Aracy Amaral,
que já dirigiu a Pinacoteca do
Estado e o MAC-USP. "O fato é
que os artistas dos anos 60 fizeram tudo o que hoje se pensa
que se faz pela primeira vez."
Repetição
Mas às vezes a repetição é
consciente. Na Verbo, o colombiano Carlos Monroy tinha
uma lista de performances de
outros artistas. O público escolhia e ele executava na hora trabalhos clássicos de gente como
Abramovic. No dia de abertura
da mostra, encarou a tarefa de
mastigar uma cebola inteira e,
mesmo de cabeça raspada, refez "The Artist Must Be Beautiful", em que a artista se despenteava gritando o nome da obra
como um mantra.
"Para mim, performance vale
uma única vez", diz Maurício
Ianês, artista que também participou da Verbo com um vídeo.
"Mas não acho que o público
nem os artistas devam procurar a novidade pela novidade."
Ele vai morar por duas semanas, nu e sem comida, em pleno
pavilhão da próxima Bienal
-será a sua performance.
Nuno Ramos, artista que
também já investiu no gênero,
concorda que há problemas
com a reedição de uma performance. "Alguma coisa se transforma e provavelmente se perde nessa repetição", afirma.
"Não daria para igualar a força
do que já foi feito."
Mas com o "nivelamento de
todas as manifestações artísticas", nas palavras de Herkenhoff, ou seja, depois da completa assimilação da performance pelo circuito artístico
-no Brasil, o Museu de Arte
Moderna de SP foi pioneiro ao
adquirir para seu acervo uma
performance da artista mineira
Laura Lima-, a novidade já
não é mais o foco.
"A questão do novo não é
mais determinante", opina o
professor de semiótica da PUC-SP Sérgio Basbaum. "Não há
nada de novo para agredir."
"Tem muita coisa que se sustenta a partir de uma espécie de
repetição, de simulacro", diz a
curadora da última Bienal de
São Paulo, Lisette Lagnado,
que sai em defesa das performances. "Eu sou muito cúmplice de artista."
Essa crença na repetição levou Abramovic a investir todo o
dinheiro que ganhou com suas
performances num centro de
preservação da memória do gênero, em Hudson, cidade ao
norte de Nova York.
Parece contraditório preservar o que foi feito para ser efêmero, mas a performance já
não é resistência ao circuito e
tem se integrado ao mercado.
"A performance é tão histórica
quanto têmpera", lembra Nuno
Ramos. "Não guarda a contundência que tinha nos anos 70,
mas nenhum gênero guarda."
Na opinião do artista, só uma
obra forte é capaz de repor esse
fator de resistência. Faltam só
aparecer na performance, então, as tais obras fortes.
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