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Crítica/"Celular - 13 Histórias à Maneira Antiga"
Relatos de livro espreitam o instante que rompe a banalidade do cotidiano
MAURÍCIO SANTANA DIAS
ESPECIAL PARA A FOLHA
Estas "13 Histórias à Maneira Antiga", de Ingo
Schulze, são ainda mais
simples que suas "Histórias
Simples da Alemanha Oriental" (editora Lacerda, 2002,
318 págs., R$ 49), livro que o
consagrou como um dos melhores escritores da nova literatura alemã.
Aqui não há assassinatos,
ninguém enlouquece -pelo
menos não de modo evidente-
nem morre abruptamente. De
fato, pouco ou nada acontece
nesses 13 relatos, narrados quase todos por um eu oscilante
entre a apatia e a perplexidade.
Dois elementos parecem estar na base de "Celular - 13
Histórias à Maneira Antiga": a
impossibilidade de transmitir
experiências "numa paisagem
em que nada permaneceu inalterado, salvo as nuvens"; a
desconfiança sobre as capacidades da linguagem e, portanto,
da própria sobrevivência do
escritor.
Dispersas na periferia de
Berlim, no Cairo, na Estônia, na
Itália, as narrativas se atêm ao
registro de acontecimentos cotidianos, uns mais divertidos,
outros tensos, a maioria simplesmente maçante.
Assim Schulze assume para
si a tarefa ingrata de contar histórias "à moda antiga" -note-se a ironia do subtítulo- depois
que ninguém mais se interessa
por ouvi-las. Mas não se trata
de um mero ato de capitulação
do escritor diante de uma experiência sentida como pura intransitividade.
Em todos os relatos, especialmente em "Fé, Amor, Esperança, Número 23" e "Nos Confins da Estônia", talvez os melhores do livro, Schulze se põe à
espreita daquele instante que
poderia romper a banalidade
do cotidiano e revelar potencialidades de uma vida que está
em outro lugar. Ainda que seja
preciso recorrer ao patético,
como no momento em que pai
e filha descobrem em uma casca de laranja "o milagre de nós
existirmos, o milagre de todos e
o de tudo existir, o milagre por
inteiro". Por certo uma epifania de segundo grau, paródia
das joyceanas, mas ainda assim
"epifania".
Destroços do passado
Nascido em 1962 na antiga
Alemanha Oriental, em Dresden, cidade devastada pelas
bombas da Segunda Guerra
Mundial, Schulze se tornou,
com Thomas Brussig e Wolfgang Hilbig, um dos expoentes
do Wenderoman, literatura
que tratava sobretudo da unificação alemã. No entanto o Muro já caiu há quase 20 anos, e
agora, em "Celular", as alusões
àquele período emergem aqui e
ali como destroços de um passado remoto, pertencentes já a
outro mundo.
O livro está repleto de frases
que indicam as vacilações e dúvidas do escritor: "Como seria
bonito conseguir narrar o que
se seguiu à maneira de um Leskov ou de um Turguêniev";
"Então aconteceu algo que, para ser contado, requer um bocado de superação"; "Não há
muito que contar. E é justamente isso, não dá para se aproximar da coisa".
E todas elas podem ser resumidas na confissão melancólica
ao final do livro: "Sempre sonhei em me tornar escritor e
viajar para Viena. Há 25 anos
isso ainda significava outra coisa. Eu também poderia dizer
que há 25 anos isso ainda significava alguma coisa".
Concluo com uma última e
iluminadora citação: "Entre
mim e meu trabalho não havia
nenhuma relação, as duas coisas apenas se adequavam uma à
outra, e uma era, por assim dizer, conseqüência da outra, como um jogo coletivo no qual eu
tivesse caído por desgosto, por
estar confuso e totalmente por
obra do acaso."
MAURÍCIO SANTANA DIAS é professor de literatura da USP.
CELULAR - 13 HISTÓRIAS À
MANEIRA ANTIGA
Autor: Ingo Schulze
Tradução: Marcelo Backes
Editora: Cosac Naify
Quanto: R$ 45 (352 págs.)
Avaliação: bom
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