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no cinema
Atriz brilhou em filmes sob medida para ela
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Dercy Gonçalves disse
várias vezes que não gostava de fazer cinema, talvez
porque se sentisse tolhida
em sua espontaneidade
pela câmera e pelo tempo
preciso das tomadas. Era
no palco de um teatro que,
livre para improvisar, ela
deitava e rolava.
Mesmo assim, sua presença no cinema brasileiro, sobretudo nas comédias dos anos 40 e 50, foi
marcante e decisiva. Brilhou praticamente sozinha como atriz cômica
num universo, o da chanchada, dominado pelos
homens: Grande Otelo,
Oscarito, Ankito, Walter
D'Ávila, Zé Trindade.
Dizia-se influenciada
pelo ator luso-brasileiro
Mesquitinha, com quem
contracenou em "Samba
em Berlim" (1943), de Luiz
de Barros. Mas Mesquitinha era um ator mais sutil
e versátil. A marca de
Dercy sempre foi, desde o
primeiro fotograma, o escracho espontâneo.
Apesar do sucesso das
primeiras atuações, Dercy
ficou quase uma década
longe das telas. Reapareceu em grande estilo na segunda metade da década
de 50, quando encadeou
uma série de comédias escritas especialmente para
ela e ostentando muitas
vezes no título o nome de
suas personagens: "Cala a
Boca, Etelvina", "Minervina Vem Aí", "Dona Violante Miranda" etc.
Trabalhando com os
mais importantes diretores de comédias de seu
tempo -Watson Macedo,
Erides Ramos, Fernando
de Barros-, Dercy compôs uma personagem que,
a despeito da variedade de
ambientes e situações, era
sempre a mesma: uma
mulher do povo (doméstica, costureira, cafetina)
que, com sua presença de
espírito e agudo senso crítico, subverte os valores da
elite dominante.
É possível perceber ecos
do seu estilo e da sua persona em atrizes tão diversas como Ema D'Ávila,
Consuelo Leandro, Nair
Bello, Marisa Orth e Regina Casé, e até num ator como Ronald Golias.
Estigmatizada como "a
mulher dos palavrões",
Dercy, no cinema, não os
podia falar. Nem por isso
sua presença nas telas foi
menos contundente. Fiel a
si mesma, encarnou a vingança simbólica do reprimido contra a empáfia e o
"bom-gostismo" da nossa
sociedade de salão.
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