|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
análise
Escritor tem classe média como alvo
BERNARDO AJZENBERG
ESPECIAL PARA A FOLHA
Desde a estréia, em 1959,
com "Adeus, Columbus",
passando pelo escândalo de
"Complexo de Portnoy", dez
anos depois, e pela série inacreditável de grandes romances que escreveu na década de 90, até as obras mais
recentes, Philip Roth não parou de surpreender.
Como Woody Allen, cujos
filmes, apesar dos altos e baixos, acumulam-se uns após
os outros constituindo um
conjunto coerente com leis
próprias e características reconhecíveis, o principal escritor norte-americano vivo
dá forma há quase 50 anos a
uma pintura extensiva e ao
mesmo tempo aprofundada
das diferentes camadas
constitutivas dos "corações e
mentes" de seus compatriotas -mas, certamente, não
só deles.
Assim como no caso do cineasta nova-iorquino, seu alvo preferencial, nesse amplo
espectro, é a classe média
ilustrada, mais ou menos intelectualizada, em especial a
de ascendência judaica.
Na esteira de nomes como
Saul Bellow, Bernard Malamud e Isaac Bashevis Singer,
Roth empreendeu, no entanto, uma ruptura marcante
com esses autores ao escancarar sem pudor todas as
contradições, anseios, dúvidas e maus sentimentos que
aqueles, de ao menos uma
geração anterior, apenas insinuavam -ainda que magistralmente. Radicalizou e
provocou -e, durante certo
tempo, chegou a amargar alguma ojeriza, ao lado de admiração, por parte de seus
próprios pares étnicos.
Um de seus "segredos" é a
capacidade de criar alter-egos nada autocomplacentes
imediatamente identificáveis com o autor -como Nathan Zuckerman, presente
em vários livros-, o que institui com o leitor uma relação direta difícil de se conquistar.
Outra chave de Roth está
na elaboração de personagens inesquecíveis em sua
densidade: grotescos e ao
mesmo tempo ousados,
perspicazes porém estúpidos
no trato, sempre apaixonantes. Exemplo mais claro, entre tantos outros, é o manipulador de bonecos Mickey,
protagonista trapaceiro de
"Teatro de Sabbath" (1995),
uma obra-prima escatologicamente deslumbrante.
Roth aborda sexo, morte,
racismo, dor, adultério, religião, guerra, política, vida familiar e intelectual com uma
crueza tão espantosa e uma
sensibilidade tão aguçada
que parece forçar você, leitor, a falar sozinho com o espelho. E, isso, lançando mão
de uma ironia e de um humor
cuja superficialidade foi descartada desde o início.
BERNARDO AJZENBERG é autor de "Homens com Mulheres", entre outros livros
Texto Anterior: Frases Próximo Texto: ABL faz eleição hoje com recorde de candidatos Índice
|