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COMIDA
Buenos Aires fora do eixo
Restaurante em que cliente define o preço e residência adaptada para servir jantares formam circuito alternativo na capital argentina
ADRIANA KÜCHLER
DE BUENOS AIRES
Já diria o glutão ambicioso
que o dia em que seria mais feliz havia de ser aquele em que
só iria olhar o cardápio pelo lado esquerdo. Pouco importaria
o preço no outro canto. Pois um
restaurante de Buenos Aires
decidiu dar esse presente aos
seus clientes e abolir o temido
lado direito. Ali, quem faz o
preço é o freguês.
Idéia de jerico para muito
empresário do ramo, essa foi a
alternativa que a dona do Pampa Picante, Claudia Iluane, encontrou para se diferenciar no
meio da overdose de bons restaurantes de Palermo, bairro
cool portenho. No menu, só as
bebidas têm preço fixo. No fim
da refeição, vem a conta com os
itens consumidos, e o preço
tem de ser ditado ao caixa.
A maioria dos clientes estranha o método dessa versão moderna da tradicional parrilla local. Alguns, diz Claudia em português quase perfeito, perguntam até se é pegadinha.
Acostumados a receber o
preço pronto, rola uma certa
dificuldade em valorar a refeição. "Há os obsessivos, que vão
colocando o preço certinho ao
lado de cada item; os freqüentadores de restaurantes, que já
sabem mais ou menos quanto
custa cada prato; e os indecisos,
que pedem ajuda para dar o valor." Com esses, Claudia ataca
de poeta. "Quanto você acha
que valeu o seu momento?"
Aos que gostam de boca-livre, calma lá. Diante do ataque
de alguns espertinhos, o restaurante limitou as mesas a
quatro pessoas, para evitar
aquelas clássicas festas em que
metade sai de fininho. "Para alguns eu tive que pagar a festa."
E, para garantir as contas no
fim do mês, a casa também inventou as "asado lessons" -ou
aulas para aprender a assar carne como os argentinos-, para
gringos e em quatro idiomas.
Ah, a comida também é boa.
Longe dos pega-turista
Se o cardápio sem lado direito é exclusividade do Pampa Picante, os lados direitos não costumam assustar tanto nessa cidade onde se come bem sem ter
que dar a carteira em troca.
Tampouco é preciso se limitar
ao roteiro brasileiro-gastronômico e visitar todas as parrillas
pega-turista da cidade.
Saindo do Pampa Picante e
cruzando a praça Campaña del
Desierto, o turista com um
pouco mais de ousadia encontra o Krishna, restaurante vegetariano que mistura na decoração figuras de deuses indianos, santas católicas e estrelas
de Davi, com um globo de espelhos e bandeirinhas juninas.
O thali, um PF hindu com arroz ao gengibre, pakoras (vegetais empanados) e chapati (pão
indiano), entre outros itens de
nomes complicados, sai por 25
pesos (R$ 13). Para quem faz
cara feia para comida verde, há
massas e sanduíches de milanesa de soja. Aqui, o que falta
no cardápio é a bebida alcoólica, que pode ser substituída por
limonada com gengibre.
Para uma experiência um
pouco mais ruidosa, é preciso
passar numa das tradicionais
pizzarias de Buenos Aires, como a El Cuartito, no bairro da
Recoleta, que faz boa pizza desde 1934, "graças a você, a seus
pais e seus avós", diz um cartaz
lá dentro. Graças também a dezenas de famosos, como Francis Ford Coppola, que se deixaram fotografar por lá.
O primeiro passo para uma
aventura completa é deixar de
lado as esquisitices paulistanas
à la mussarela-de-búfala-com-rúcula-e-tomate-seco e se arriscar a provar uma pizza com
faina e moscato. A faina é uma
massa de farinha de grão-de-bico que se come como uma cobertura da pizza, e o moscato,
um vinho barato que se bebe
com soda. Se gostar dos dois,
você é quase um portenho. Só
falta comer à moda "al paso"
-em pé no balcão.
"Restô privê"
Para se adaptar à cultura dos
portenhos, também é preciso
conhecer a casa de um. Mas
conseguir que um argentino o
convide a visitar seu lar pode
levar meses. O jeito então é pagar para conhecer uma das várias casas que compartilham
suas cozinhas com estranhos.
O La Cocina Discreta, em Villa Crespo, é um dos restaurantes da onda "restô privê". Além
da mesa com TV, do violão ao
lado e dos xampus no banheiro
(a cama eles escondem), ajuda a
fazer o cliente se sentir em casa
o fato de que o dono do fogão,
Alejandro Langer, morou em
SP, e de que Rosana, dona da
TV, avisa que "de vinho quem
entende é o meu marido".
Na casa-restaurante, as paredes também viraram galeria de
arte, e as fotos são do "Alê". O
cardápio tem preço fixo, sem
bebidas, e três opções de pratos, em que o rolê de frango
agridoce com batata doce glaceada se destaca. No fim, a "Rô"
espera com você, no portão, o
táxi chegar.
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