|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CRÍTICA
Emoção medida sobre medida
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
Embora previsibilíssimo,
não deixa de ser impressionante. Dia de eliminação no "Big
Brother Brasil", a quarta edição
(já? Pois é...). As famílias e amigos dos contendores estão em
pequenas arquibancadas, uma
de cada lado do cenário.
Pai e mãe, irmãos, às vezes filhos, amigos, conhecidos do
bairro e, desconfia-se, papagaios
de pirata se engalanam como
torcidas -alguns vêm uniformizados, alguns trazem cartazes e,
todos, sem exceção, pulam e gritam quando a câmera focaliza.
Dentro da casa, àquela(e) que
está em vias de ser eliminado é
permitido(a) ver a família. Não
importa quanto tempo ela(e)
não vê seus parentes e amigos, a
reação é sempre a mesma: levantam-se, gritam, põem a mão na
cabeça, dizem os nomes de um e
de outro, enquanto a torcida pula
e grita. Grita-se muito, aliás.
O programa prossegue. Conversa vai, conversa vem. Instados
pelo apresentador, os confinados
fazem previsões sobre quem vai
ou não ser escolhido pelo público, comentam os pequenos
acontecimentos da vida na casa,
os minutos passam. De novo, o
apresentador faculta a um e depois ao outro a visão dos entes
queridos. Como bonecos de engonço, novamente eles se levantam, e o ritual prossegue, como
se obedecesse a um script.
É a chamada emoção, a pedra
de toque da TV. Se na vida mais
ou menos real a emoção corresponde a uma reação espontânea
e um movimento afetivo despertado por algum estímulo externo, no mundo televisivo a palavra designa outras coisas. Na TV,
emoção é aquilo que todos que
estão diante da câmera acham
que têm obrigação de demonstrar, como forma de convencer o
espectador que merece atenção.
O moderno recurso do medidor de batimentos cardíaco tenta
capturar, não a emoção de fato,
que essa é inefável, mas esse esforço em se fazer notado(a). Os
"reality shows" são arenas privilegiadas para a observação desse
estado alterado de consciência
que é o comportamento de pessoas comuns, ou melhor, de não-profissionais, quando sabem que
serão filmadas. A consciência de
que seus movimentos serão registrados e assistidos parece jogar as pessoas em um transe.
Mesmo em um ambiente menos manipulado do que a TV e de
procedimentos mais transparentes, fica evidente que ninguém é
ingênuo diante de uma câmera:
em alguma medida, todos representam. Os documentários de
Eduardo Coutinho, por exemplo, captam muito bem esse fenômeno. É como se a câmera fosse um outro mais poderoso, mais
inquisitivo e intimidante do que
qualquer pessoa de carne e osso e
com uma expectativa muito fixa
e definida do que são as reações e
atitudes adequadas ou não.
A emoção passa ao largo. O que
se observa quando uma pessoa
como eu e você está em qualquer
situação vigiada é uma luta entre
os sentimentos de fato, pessoais e
íntimos, e os postiços. Vencem, é
claro, os últimos.
biabramo.tv@uol.com.br
Texto Anterior: Novelas da semana Próximo Texto: Crucificado Índice
|