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Crucificado
Acusada de anti-semita e extremamente violenta, versão de Mel Gibson para a Paixão de Cristo revolta religiosos
PAOULA ABOU-JAOUDE
FREE-LANCE PARA A FOLHA, EM LOS ANGELES
Nos últimos meses, ao lado de
editoriais sobre a situação caótica
no Iraque e a instabilidade da economia de George W. Bush, o nome de Mel Gibson, 48, foi uma
constante nos grandes jornais
americanos. O "New York Times"
publicou pelo menos 30 artigos
sobre a polêmica nova produção
do astro de "Máquina Mortífera".
Após uma crise espiritual, Gibson decidiu rodar um filme que
reaviva, num crescendo de violência e imagens chocantes, as 12
horas finais da vida de Jesus Cristo. "A Paixão de Cristo", que estréia dia 25 nos EUA, plena Quarta-Feira de Cinzas (no Brasil será
lançado em 26 de março), e é falado em aramaico e latim, foi duramente criticado por diversas correntes religiosas americanas.
A mais severa acusação foi de o
diretor de "Coração Valente" ter
criado um filme anti-semita. Ele
refuta. Gibson, que é católico "tradicionalista" (ele não acredita nas
reformas do Concílio Vaticano 2º,
não come carne às sextas e tem
uma interpretação rígida das Escrituras), disse à Folha que fez um
filme de fé, uma "leitura profundamente pesquisada, e não um
ato inconseqüente". "O filme não
é o Evangelho Segundo Mel."
Folha - O sr. disse que começou a
maturar a idéia de um filme sobre
Cristo há 12 anos, quando enfrentou uma crise espiritual, não?
Mel Gibson - Acredito que todos
nós chegamos a um ponto em
nossas vidas em que damos de cara contra a parede. Isso é doloroso. A dor é a precursora da mudança. Foi o que ocorreu em meu
caso. Alcancei um estágio de tristeza pessoal e então era tempo de
parar e voltar atrás. Foi focando
na Paixão, que é o tema central da
fé cristã, que pude fazer essa volta.
Se você abraça essa busca como
forma de tratamento, é claro que
ela irá se tornar uma parte integral
de você. No meu caso, não tinha
como um trabalho não emergir
disso. Estava tudo arraigado em
mim. Michelangelo e Da Vinci
-e não estou me comparando
com esses artistas- produziram
trabalhos que emanaram da dor.
Folha - Por que o sr. decidiu revisitar uma história contada tantas
vezes e por um prisma que vem gerando controvérsia?
Gibson - As Escrituras sempre
foram controversas. Elas foram
separadas, depois juntadas e reinterpretadas por 2.000 anos, atravessando o teste do tempo. Devo
dizer que meu filme adere muito
bem às Escrituras. Não fiz nada
no vácuo. Não se trata do "Evangelho Segundo Mel". Durante um
período de 12 anos li volumes e
mais volumes das Escrituras, falei
com historiadores bíblicos... Em
alguns pontos é minha interpretação, claro. Mas não acredito que
tenha traído o Evangelho. Aderi-me a ele com muita veracidade e
não com uma agenda por trás, como algumas pessoas disseram.
Folha - O sr. recentemente cortou
uma passagem de seu filme criticada por ser anti-semita, na qual o
sumo-sacerdote Caifás invoca um
tipo de maldição sobre o povo judeu declarando sobre a Crucificação: "Que seu sangue esteja em nós
e em nossas crianças". O que tem a
dizer sobre isso?
Gibson - Meus detratores acham
que eu estava tentando dizer que
existe uma maldição milenar em
cima dos judeus. A igreja nunca
ensinou aquilo, e eu entendo que
exista um medo a respeito, e queria acalmar qualquer temor. Acredito em todas as linhas do Evangelho. As nuances teológicas dele
são vastas e você não pode explicar tudo em um segundo e meio,
que era o tempo em que essa frase
aparecia no filme. Não queria que
falassem que fiz um jogo de culpa.
Folha - Na sua opinião, quem
realmente matou Jesus?
Gibson - Todos nós matamos Jesus. Ele morreu pelos pecados de
todos os homens de todos os tempos, e se você quiser, eu serei o
primeiro da fila a aceitar essa culpabilidade. O papado condenou o
racismo e o anti-semitismo de todas as formas. Isso ficou bem claro na encíclica do papa Pio 5º. Ser
anti-semita, então, é pecar, é ser
anti-cristão. E isso eu não sou.
Folha - Por que a figura de uma
mulher para representar Satã?
Gibson - Queria que a maldade
não tivesse uma forma execrável.
Procurei uma imagem saudável,
como a de uma figura materna.
Era importante apresentar a maldade como alguém bom.
Folha - O sr. disse que esse filme
prejudicará sua carreira...
Gibson - Estava brincando quando disse aquilo. É claro que teve
gente que se distanciou de mim.
Alguns eu até esperava, outros
não. Ei, a vida é assim mesmo.
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