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Minha heroína, Janeth Jackson
Exposição do seio da cantora em programa ao vivo põe hipocrisia norte-americana em evidência
FRANK RICH
DO "NEW YORK TIMES"
Pode ser um trabalho sujo, mas
alguém tem que fazê-lo. Três semanas depois do escândalo do
busto, quase ninguém saiu em defesa de Janet Jackson. Eu o faço de
todo coração. Ao expor um seio
por dois segundos em um golpe
publicitário muito eficiente, a
cantora expôs, igualmente, quanta gente boba temos nos EUA. E
devemos agradecê-la pelo serviço
público genuíno que ela prestou.
Seria possível argumentar que
Janet Jackson é a única figura honesta nesse Super Bowl da hipocrisia. Os objetivos dela eram
transparentes -ressuscitar uma
carreira em decadência, às vésperas do lançamento de seu novo álbum-, e Jackson conseguiu o
que queria. Não está fingindo
muito remorso, aliás. Jackson se
recusou a aparecer na entrega do
prêmio Grammy porque a rede de
televisão CBS havia solicitado que
se submetesse a um canhestro e
lacrimoso ritual de pedir desculpas ao país pelo crime cometido
uma semana antes. Em contraste,
Justin Timberlake fez o que lhe
mandaram, como um menino de
escola enviado ao escritório do diretor para uma reprimenda.
Para que os protestos generalizados tivessem justificativa, seria
preciso acreditar que as famílias
da nação foram apanhadas completamente de surpresa pelo "pas-de-deux" de Janet e Justin enquanto assistiam a um espetáculo
do gênero "Mulherzinhas". Como disse Laura Bush, "os pais não
estavam prevenidos, para desligar
seus televisores antes que aquilo
acontecesse". Não estavam? Antes do ocorrido os pais viram uma
apresentação na qual Nelly, com a
mão na virilha o tempo todo, dava
a ordem para que uma multidão
de "cheerleaders" arrancasse as
saias. Que sinais esses adultos pobres e indefesos estavam esperando antes de afastar seus filhos do
televisor? Aparentemente, só uma
cena de estupro simulado serviria
como alerta suficiente.
E, depois do fato, a audiência
simplesmente não conseguia parar de assistir. O serviço de busca
Lycos, na internet, informou que
o número de buscas pela expressão "Janet Jackson" bateu o recorde dos atentados de 11 de Setembro, estabelecido pouco depois
dos ataques.
Para as pessoas que ainda não
estavam saciadas, os canais de notícias na TV a cabo não paravam
de repetir o vídeo, para nos lembrar o quanto a cena fora deplorável. Mesmo que a essa altura as redes de televisão estivessem ocultando o seio com um borrão eletrônico, ainda havia certa emoção
erótica a ser extraída: um homem
arrancando a roupa de uma mulher era tão excitante para a platéia quanto a carne revelada pelo
gesto, ou talvez até mais. Mas admiti-lo em voz alta é tomar um caminho que nossos guardiões morais não aceitam. A regra não escrita de nossa cultura é a de que o
público está sempre certo. A idéia
de que as pessoas poderiam exercer o livre arbítrio e desligar a TV
nos programas de mau gosto, ou
evitar a televisão de vez jamais é
mencionada na TV, por motivos
óbvios relacionados aos interesses fiscais das redes. Não é certo
insultar os fregueses.
Já que o público não tem nenhuma responsabilidade sobre
cenas como a do Super Bowl,
quem deve ser responsabilizado?
Se estudarmos as admoestações
dos programas sobre o assunto,
ou as tiradas dos editoriais do
"Wall Street Journal" e de organizações direitistas, o padrão descoberto será revelador: a MTV, a
CBS e sua matriz, Viacom, são os
únicos alvos de invectivas. Já a
National Football League (NFL),
organizadora do Super Bowl, escapa praticamente sem menção.
Culpar a operação esportiva de
mais alta audiência no país, afinal,
acarretaria o risco de insultar os
espectadores de futebol americano, aos quais esses vigilantes da
respeitabilidade moral atendem,
em busca de diversão e de lucros.
Há quem preveja que retardar
as transmissões de eventos ao vivo em alguns segundos para impedir a ocorrência de novos "defeitos de guarda-roupa" (como
acontecerá durante a transmissão
da cerimônia do Oscar na noite
do próximo dia 29) será a morte
da TV espontânea, ao vivo. Mas
assim que a audiência de um programa de premiação cair, esse novo profilático eletrônico será discretamente abandonado.
Jackson, a grande vencedora de
todo o episódio, já está de volta às
telas. Sua reabilitação oficial começou logo depois do Super
Bowl, quando a BET (Black Entertainment Television) começou a
transmitir uma série de dez programas curtos sobre o "mês da
história negra", em que Jackson
apresenta perfis de figuras históricas importantes como Harriet
Tubman e Sidney Poitier.
Diz o comunicado da rede sobre
a série: "A sra. Jackson usa um
clássico conjunto preto nos programas". A roupa de dominatrix
que ela usou no Super Bowl não
era preta e clássica, também?
Bem, jamais subestimem o poder
da sinergia. Afinal, a BET é mais
uma subsidiária controlada integralmente pela Viacom.
Tradução Paulo Migliacci
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