São Paulo, domingo, 22 de junho de 2008

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Mônica Bergamo

bergamo@folhasp.com.br

Eduardo Knapp/Folha Imagem
A atriz Denise Fraga em uma praça em Higienópolis, bairro onde mora com o marido, o cineasta Luiz Villaça, e seus dois filhos

Denise de alma leve

A atriz Denise Fraga produz e protagoniza a peça "A Alma Boa de Setsuan", de Bertold Brecht, que estréia no dia 26 de julho, no teatro Renaissance

"Trililili. Trilililililiili."

 

"Quem é?" pergunta o porteiro responsável pelo nº 325 da rua Augusta, um espaço para ensaio de peças teatrais. "É a Denise de alma boa", diz Denise Fraga, do lado de fora da sala. A atriz vai estrear em julho, no teatro Renaissance, o espetáculo "A Alma Boa de Setsuan". A porta se abre e ela se junta a outros dez atores para jogar peteca, depois de ter comido uma feijoada.

 

Uma hora antes, Denise encontrara a coluna para almoçar e falar sobre ética, o tema da peça de Bertold Brecht. Ela chega ao restaurante Vó Lolla, na rua Frei Caneca, sem maquiagem, carregando uma mochila Tribo dos Pés e vestindo calça e blusa de malha, tênis Camper "velhinho" e um casaco -que tira para se sentar, mas logo recoloca "para não estragar a produção do visual". Pede feijoada. Carioca, morando em SP há 17 anos, fala com a voz mansa, mas dá gargalhadas e tem gestos tão expansivos que um táxi já parou sem que ela solicitasse porque "não entendeu que eu estava apenas conversando e não pedindo corrida".

 

Entre uma garfada e outra, Denise se lembra da epopéia profissional pela qual passou até chegar a se tornar protagonista e produtora do texto que escolheu. "No começo da carreira, botava o cenário num fusquinha e rodava". Por falta de dinheiro, fez concurso para ser aeromoça e vendeu produtos de beleza de porta em porta. Rifou um relógio que não funcionava e usou cortinas de veludo da avó como objeto de cena.

 

A atriz suspende o garfo, olha para cima e ri. "Uma vez, não tínhamos ingresso para uma estréia e entramos no Teatro Municipal do Rio pela janela do banheiro, subindo em cima de uma banca de jornal." Quase se censura. "Ai, não posso falar isso, senão estou fomentando..." Mas prossegue. "É que a gente não tinha grana para ver a arte que queríamos."

 

O reconhecimento profissional veio com "Trair e Coçar É Só Começar", primeiro passo antes de fazer novelas no SBT, cinema, teatro e humorísticos na TV Globo.

 

No espetáculo que Denise ensaia diariamente, Deus desce à Terra em busca de uma alma boa. Encontra uma bondosa mulher e a presenteia com um saco de dinheiro. Ela passa a ser usurpada. "Sinto que a gente padece de gentileza." Olha para a assessora em busca de um "devo ou não dizer?". E diz: "Uma vez, na TV, eu vi uma produtora fazer um acordo comigo sobre os dias em que eu teria que trabalhar e desfazer em cinco minutos, só para ficar bem com a chefia. Falei: "Ó, deixa eu te falar uma coisa? Eu sou legal, mas se você quiser que eu fique menos legal para você me respeitar, posso tentar'". A peça de Brecht, diz, mostra que, "para enriquecer, não se usa mais o toma-lá, dá-cá. Mas o toma-lá, dá-cá, dá-cá, dá-cá!"

 

"Encontrei uma vez um artista plástico no Equador que disse uma frase que nunca sai da minha cabeça: "Nunca perca sua capacidade de assombro'". Por exemplo: certa vez, diante de uma fila "absurda de grande" para pegar um táxi no aeroporto, ela propôs aos "colegas" de fila: "Gente, faz uma "lotadinha", junta três num carro. E, espontaneamente, as pessoas começaram a gritar: "Perdiiiiizes! Pinheeeeeiros!"."

 

A atriz mora no bairro de Higienópolis com o marido, o cineasta Luiz Villaça, e dois filhos -um de nove e um de dez anos. Toda noite, ela reúne a família para o jantar. "Me dá nervoso ir ao supermercado e ver quatro fatias de pão numa embalagem! São famílias e famílias em que cada um janta a hora que quer!"

 

Denise interrompe o papo e sorri para a assessora. Quer se certificar de que não há "verdinhos" em seu sorriso e, zupt!, corre ao banheiro. "Agora, sim", diz na volta, sorridente e despreocupada.

 

Aos 42 anos, ela nunca aplicou botox e diz que plástica "está virando uma assepsia. Um ator colocar um negócio que impede seu movimento é uma temeridade! Daí só fica bem na televisão naquela expressão de "estou prestando atenção", com a cara parada, sabe? A plástica, me desculpe, aparece! Pode até ficar bonita, mas outras partes do corpo denunciam a idade. A gente não pode virar um Frankenstein, né?". Denise diz que nunca apareceu nua em cena. "Deve ser chato, principalmente depois que você é mãe. Imagine ir buscar o filho na escola e os amiguinhos dizerem: "Ah, vi a xereca da sua mãe!'".

 

Ela afirma que tenta "fazer tudo o que eu falo", mas não quer assumir "o discurso de que "ai, a Denise é boazinha...". Afirma que elegeu a peça de Brecht para montar "pela mensagem e a necessidade de se discutir ética. É um texto de 1941 mais atual do que nunca". A personagem interpretada por ela, depois que ganha dinheiro, ganha também poder. "E isso é inebriante." "Desesperançosa" com "a política", segundo diz, Denise afirma: "Me dizem: "Ah! Você não sabe o que é governar!" Sei o que deve ser estar entre os lobos. Mas tem uma hora em que você tem que dizer: "Ok, pra mim deu". Entrego meu chapéu e vou plantar batata."

Frases

"Plástica está virando uma assepsia. Um ator colocar um negócio [botox] que impede seu movimento é uma temeridade!"

"Deve ser chato [aparecer nua em cena], principalmente depois que você é mãe. Imagine ir buscar o filho na escola e os amiguinhos dizerem: "Ah, vi a xereca da sua mãe!""

"Me dizem: "Ah! Você não sabe o que é governar!" Sei o que deve ser estar entre os lobos. Mas tem uma hora em que você tem que dizer: "Ok, pra mim deu". Entrego meu chapéu e vou plantar batata"



Reportagem DÉBORA BERGAMASCO


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