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HUMOR PASSADO A LIMPO
Termos como charge e caricatura têm interpretações distintas ao longo da história
Sutilezas da língua dificultam análise
DA REPORTAGEM LOCAL
O que é charge? O que é caricatura? Talvez a questão mais delicada para defender a primazia
dessa ou daquela obra seja estabelecer parâmetros de comparação.
Diz o "Aurélio": "Charge: representação pictórica, de caráter burlesco e caricatural, em que se satiriza um fato específico, em geral
de caráter político e que é do conhecimento público". E ainda:
"Caricatura: desenho que, pelo
traço, pela escolha dos detalhes,
acentua ou revela certos aspectos
caricatos de pessoa ou fato".
Herman Lima, em sua "História
da Caricatura no Brasil", usa os
termos caricatura e charge para se
referir basicamente às mesmas
coisas: "É que a caricatura não é
somente, como entendiam os italianos que lhe lançaram na moda
na era do Renascimento, o "ritrato
ridicolo di cui siansi esagerati i defetti". É ainda, até de preferência
(...), a arte de caracterizar".
"A precisão desses termos nunca é muito completa. A melhor
definição que já vi é a de que charge é um cartum editorial. E cartum é um desenho de humor", diz
o cartunista da Folha Laerte.
Aspecto igualmente controverso é se a charge (ou caricatura) deve necessariamente retratar uma
figura histórica específica ou se,
pelo contrário, pode empregar
elementos alegóricos. Considerando o primeiro caso, a litogravura de Manuel de Araújo Porto-Alegre, que retratava um conhecido diretor de jornal do período,
seria efetivamente a primeira
charge impressa no país.
Mas, se acompanharmos o raciocínio de Lailson de Holanda de
que o burro corcunda representava os membros pró-dom Pedro 1º
do Partido Restaurador, chamados de corcundas em Pernambuco, tentando evitar que o império
e a igreja (sustentados pela coluna) ruíssem de vez, o desenho do
"Carcundão" é um exemplo de
charge alegórica.
"Fico me desafiando o tempo
todo em como transformar o assunto do dia ou da semana em algo mais elástico no tempo. Se no
caso de uma invasão de terra, por
exemplo, eu usar o conceito de reforma agrária no lugar de desenhar a cara do diretor do Incra, ficará mais fácil para um historiador entender o que aquilo quer
dizer", avalia Angeli, chargista da
Folha e vencedor de todos os prêmios HQ Mix na categoria. "Daqui a 15 anos a gente não vai lembrar a cara do ministro da Agricultura", completa.
Por fim, resolvido o status de
"charge" das xilogravuras pernambucanas, restaria ainda a difícil questão de definir sua autoria.
"O autor do desenho, assim como
dos textos, é anônimo, pois a imprensa ainda era incipiente naquela época e o jornal era panfletário. Lembre-se que a imprensa
só foi liberada para fins não oficiais em 1822", justifica Lailson.
Ainda assim, o autor de "Historia del Humor Gráfico en Brasil"
aposta suas fichas no mitológico e
irreverente padre Lopes Gama.
Um ano depois do desaparecimento do "Carcundão", Gama assumiu a autoria de "O Carapuceiro", publicação de teor semelhante e impressa na mesma gráfica.
"A importância do "Carcundão"
é a de ter sido feito por um padre
que era popular no Recife. Apesar
de poucas edições, o jornal teve
sua importância, tinha todos os
elementos de uma publicação crítica e ainda um desenho de humor impresso", afirma Gualberto
Costa, presidente do Instituto do
Memorial das Artes Gráficas.
"Sempre haverá surpresas. Herman Lima tinha uma visão centrada no Distrito Federal. Se você
fuçar pelo Nordeste ou pelo Rio
Grande do Sul, talvez encontre
coisas anteriores. O Paraguai tinha gravuristas que também faziam charges. A história nunca está fechada", conclui Costa.
(DA)
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