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QUADRINHOS
Convidado do Festival de Quadrinhos de Pernambuco, Don Rosa fala sobre seu trabalho e o mestre Carl Barks
Herdeiro do "verdadeiro" Patinhas vem ao país
DIEGO ASSIS
DA REPORTAGEM LOCAL
Walt Disney não desenhava histórias em quadrinhos. Ainda que
alguns fãs das revistinhas estejam
carecas de saber disso, o fato é
que, por muito tempo, as histórias de Mickey e sua turma, publicadas no Brasil desde a década de
50, traziam sempre uma única assinatura: a de Walt Disney.
Carl Barks (1901-2000), que desenhou -e na verdade criou-
toda a linhagem "patológica" da
Disney entre as décadas de 40 e
60, foi um dos poucos que conseguiram furar o bloqueio e se firmou como um autêntico e inconfundível desenhista da empresa.
Keno Don Rosa, 53, autor da
premiadíssima "Saga do Tio Patinhas" e considerado o único herdeiro legítimo do estilo de Barks,
talvez seja o outro. Publicada recentemente em dois volumes pela
editora Abril, trata-se de um épico
que reconta como Tio Patinhas
conquistou a sua fortuna desde a
fatídica primeira moedinha
-conseguida engraxando sapatos muito, muito tempo atrás...
(As HQs de Barks também acabam de ser reeditadas pela Abril.)
Ao contrário da imagem de ganancioso pela qual ficaria mundialmente conhecido, Rosa tenta
mostrar um outro lado de Patinhas: "A personalidade que outros escritores lhe deram ao longo
dos anos está muito distante da
minha. Acho que ganância (com
fundamentalismo religioso) é a
raiz de todos os problemas no
mundo, e eu não toleraria contar
histórias de um herói motivado
apenas por isso", declarou por e-mail à Folha o autor, um dos principais convidados do 6º Festival
Internacional de Humor e Quadrinhos de Pernambuco, que começa na terça-feira em Recife.
Leia a seguir alguns trechos da
entrevista em que Rosa fala sobre
patos, ratos e até um famoso papagaio carioca, tema de sua próxima revista em quadrinhos.
Folha - Você é considerado o legítimo sucessor de Carl Barks. O que
diria que herdou dele?
Keno Don Rosa - Muita gente diz
que nunca teria se atrevido a seguir os passos de Carl Barks. Houve centenas de artistas nos quadrinhos do Pato Donald, mas nenhum se tornou notável, menos
ainda um rival de Barks. Por que
eu não me assustei em seguir o
mestre e criador do universo de
Donald? Simples: nunca tive a intenção de ser nada além de mais
um entre tantos escritores e desenhistas. Na verdade, minha intenção era criar só uma história. Jamais passou pela minha cabeça
que me tornaria o mais popular
criador do Pato, depois do meu
ídolo de infância. E a ficha ainda
não caiu, mesmo após 18 anos.
Folha - Muitas pessoas se identificam com Mickey, o personagem
mais popular de Disney. Por que
você foi atrás do Pato?
Rosa - Mickey Mouse é o símbolo corporativo de Disney, não
mais que isso. Donald tem sido
mais popular que o Mickey desde
que foi criado, em 1934. Disney
não poderia fazer de um personagem cabeça quente, com tanta
personalidade, o símbolo de sua
companhia. Esse trabalho deveria
ficar com um personagem fofinho, mas vazio, como o Mickey.
Mas não há dúvida de que o mundo prefere as falhas humanas de
Donald e Patinhas. Donald sempre esteve na capa da [revista
americana] "Walt Disney's Comics and Stories", o título mais
longevo do mundo entre os quadrinhos Disney. E na Europa os
semanais da Disney são chamados "Pato Donald e cia.", não
"Mickey Mouse". Donald sempre
foi a estrela desses quadrinhos e
representa 90% dos quadrinhos
Disney produzidos até hoje.
Folha - Desde a década de 70, as
HQs Disney não têm tido o mesmo
sucesso que as animações ou os
produtos licenciados. Por quê?
Rosa - Disney usava Donald não
como um personagem, mas como
um ator que desempenhava papéis diferentes a cada filme. Tudo o que fazia era se
envolver em batalhas desastradas jogando nozes
no Tico e Teco por sete
minutos. Até os quadrinhos que não eram do
Barks fizeram melhor uso
do Donald. Se Disney tivesse feito um único longa
com ele, aí a história seria
outra. Na década de 50, os
quadrinhos Disney vendiam 3 milhões de cópias
por mês. Por que não fazem mais sucesso nos Estados Unidos hoje? É uma crise
que se arrasta desde os anos 60,
havia poucos leitores para sustentar uma distribuição nacional e a
empresa parou a publicação. Hoje, com a venda direta [lojas especializadas pegam os pedidos antes
de as revistas serem produzidas],
a indústria de quadrinhos sobrevive com cerca de 20 mil cópias
por edição, ao contrário dos milhões vendidos 50 anos atrás. Tornou-se um hobby cult, não mais
um veículo de massa como era.
Folha - Você está trabalhando em
uma nova história a partir de "Você
Já Foi à Bahia?", filme que lançou o
Zé Carioca. O que acha dele, o primeiro Disney 100% brasileiro?
Rosa - Em primeiro lugar, queria
dizer que o único grande uso do
Pato Donald jamais feito por Disney foi nesse filme. Apesar da curta duração, é o meu desenho favorito. Sempre gostei do Zé, por isso
criei duas histórias baseadas nesse
desenho, as únicas que fiz até hoje
que não são baseadas nos quadrinhos de Barks. Mas pode ser que
vocês não gostem da minha versão do Zé Carioca. Houve centenas de quadrinhos dele criados no
Brasil, mas ninguém nos EUA os
conhece. Pelo pouco que vi, ele é
retratado como um vagabundo
preguiçoso que passa seu tempo
enganando gente rica por dinheiro ou comida. Não acho que isso
serviria à minha história. Por isso
voltei ao filme original, onde ele é
uma espécie de cantor de cabaré,
não muito bem-sucedido, mas divertido e mulherengo. Posso dizer
também que, depois de deixar o
Rio de Janeiro, ele parte em uma
aventura no Mato Grosso. Queria
evitar usar a floresta amazônica,
já que é tudo o que os americanos
pensam quando se fala em Brasil.
E o Brasil é muito mais do que
uma selva hostil. Só espero que
vocês não rejeitem o meu Zé.
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