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CRÍTICA
Dramalhão eficaz marca estréia de "Seus Olhos"
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
Há duas coisas admiráveis
-por razões diametralmente opostas- em "Seus
Olhos". A primeira é o desleixo
com a produção; a segunda, a eficiência do texto "mexicano".
Não estão necessariamente relacionadas, mas ambas parecem
constituir uma fórmula que vem
se impondo como alternativa ao
novelão da Globo. A novela, que
estreou na última terça-feira, registrou índices de audiência considerados bons para a emissora e
horário -média de 8 pontos,
com picos de 10, no Ibope.
O descaso com a produção é de
tal monta que a explicação deve
ser procurada para além da redução de custos. A novela começa
nos "anos 80", mas absolutamente zero esforço de caracterização de época foi feito. Vestuário, cabelos, objetos de cena, linguagem, referências culturais;
nada remete o espectador a 20
anos atrás.
E há mais, é evidente. Um grupo de personagens, os chamados
"pobres", vive numa "periferia"
sociológica e cenograficamente
inverossímeis. As moças recém-formadas na faculdade ou bem
são interpretadas por atrizes
uma década mais velhas ou foram tão mal penteadas e maquiadas que assim parecem. Como se
trata de uma novela paulistana,
evidentemente há uma personagem com sotaque carcamano, só
que interpretada por uma atriz
com tipo físico nada italiano e
com brincos de espanhola... A
lista poderia continuar por mais
vários parágrafos.
OK, fica mais barato não encomendar pesquisa, não fazer figurino de época, contratar quem
está à mão e não quem é mais
adequado etc., mas, para além
daquilo que se poderia atribuir à
racionalidade empresarial,
emerge a suspeita de que o desleixo é proposital, regido por
uma espécie de mesquinhez programática. Como se a emissora
estivesse declarando que é isso
mesmo, e apenas isso, que seu espectador merece.
Em outra ponta, tanto o roteiro
quanto os diálogos surpreendem
pela fluência. É tudo muito simples e esquemático, claro, mas
funciona bem: a mocinha é doce,
boa, o vilão é de fato inescrupuloso, a má sorte da mocinha se
anuncia por vários indícios, os
núcleos da novela se tocam de
maneira plausível. Mesmo que a
versão brasileira tenha sido mexida -e Ecila Pedroso, a tradutora e responsável pela adaptação, declarou ter modificado bastante o texto da cubana Inés Ródena-, o essencial do dramalhão permanece quase intacto.
O folhetim latino-americano,
matéria-prima das telenovelas
brasileiras desde a década de 60,
tem uma permanência impressionante. Não importa a nacionalidade dos autores -daí as aspas no "mexicano" lá de cima-
nem a origem da produção, a
emoção carregadas nas tintas, as
mães-coragem, as crianças que
sofrem com a crueldade dos
adultos, o "destino" que prega
peças aos amantes continuam
sendo elementos capazes de servir de base a um tipo de ficção
ainda válido no século 21.
@: biabramo.tv@uol.com.br
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