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TELEVISÃO
CRÍTICA
Quando a barbárie fica uma "gracinha"
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
Desta vez, foi a Hebe. Diante
das câmeras, a decana da
TV brasileira abriu a boca. Falou
demais, deu voz à indignação óbvia e ululante diante das mortes
bárbaras de Felipe Silva Caffé, 19,
e Liana Friedenbach, 16. Pode ser
processada pelo Ministério Público pelas declarações que fez a
respeito de Xampinha, um dos
acusados pelo assassinato.
No programa da última segunda, Hebe disse que, "se pudesse",
faria uma entrevista com o Xampinha. "Ele ia virar linguiça",
acrescentou, acompanhando a
frase com um gesto obsceno.
Animada, passou do condicional para a afirmação, naquele
tom intimista, à vontade, que é
tão característico da apresentadora: "Viu, Xampinha? Eu vou
fazer uma entrevista com você,
vou mesmo".
Daí, ela muda novamente para
a atitude "corajosa", "franca",
que também se tornou sua marca: "Se me deixarem, eu vou, mas
eu vou armada. Eu saio de lá e
vou para a cadeia. Mas ele não fica vivo".
Debate
Até o fechamento desta coluna,
o Ministério Público apenas havia solicitado ao SBT cópias do
programa que foi ao ar na última
segunda para decidir se as declarações da apresentadora configuram apologia ao crime e incitação à violência. Mas já havia
aberto outro debate sobre a responsabilidade social da TV.
Em uma definição feliz, o promotor Carlos Cardoso quase que
já matou a questão, ao classificar
a fala de Hebe como um "misto
de desabafo e bravata" e, ainda,
constatar que essa combinação
explosiva e irresponsável tornou-se "muito frequente em programas de TV".
Não, ela não vocifera como os
apresentadores de programas
vespertinos, mas sua fala é tão
mais perniciosa quanto eficiente.
O cenário que remete a uma sala de visitas onde ela recebe convidados que, via de regra, se dobram à "simpatia" da dona-de-casa é propício ao desabafo, à expressão de uma indignação que,
se por um lado é perfeitamente
compreensível, por outro, é também cruelmente manipulada e
explorada.
Na TV, sobretudo, na fala daqueles que embaralham de propósito os limites do público e do
privado, o desabafo transfigura-se em bravata, e esta, em ameaça
num piscar de olhos.
A ameaça, neste caso específico, não é à integridade física do
Xampinha, mas sim àqueles que
ainda ousam desafinar o coro da
vingança, que defendem a aplicação da lei, que acreditam na civilização e em suas conquistas contra a barbárie.
É como se fosse um pito público dirigido àquelas pessoas, instituições que resistem a embarcar
na ideologia de retaliação que
vem infiltrando o debate público
sobre as soluções para a violência. E quem melhor do que a Hebe, a "gracinha", a fada madrinha da TV brasileira, para fazer
passar esse pito?
E-mail: biabramo.tv@uol.com.br
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