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Grão por grão
Folha acompanha colheita em duas fazendas de café que, além de cultivarem
o grão, torram parte da produção de olho no mercado de bebidas especiais
JANAINA FIDALGO
ENVIADA ESPECIAL A MOCOCA (SP)
E A BOTELHOS (MG)
Faz um bom tempo que não
chove por lá. Onde quer que se
vá, uma nuvem de poeira se
arrasta atrás de cada passo. Os
olhos secam, e a garganta coça.
Ruim para os homens, ótimo
para o café. A safra deste ano,
ao que tudo indica, promete.
A seca rigorosa do ano passado atrasou a florada e, conseqüentemente, a colheita. Teve
início em junho, e não em maio,
como costuma acontecer.
Na semana passada, a Folha
visitou duas fazendas produtoras de café, a Pessegueiro, em
Mococa, na região da Mogiana
(interior de São Paulo), e a Sertãozinho, em Botelhos, no sul
de Minas Gerais, para acompanhar da colheita à torra.
Fundada em 1870, a Pessegueiro sempre cultivou café,
mas o vendia cru. Só em 2003
passou a torrar parte da produção (hoje quase metade) e a
vendê-la ao mercado interno,
sob o selo da fazenda.
"O café sempre foi tratado
como commodity, e os preços
são muito manipulados. Precisávamos de uma alternativa
para dar sustentabilidade ao
negócio", diz Clovis Gonçalves
Dias Filho, 64, que cuida da fazenda com a mulher, Rita, 59.
"No início, foi bem difícil.
Saímos mostrando o nosso
produto e abrindo mercado."
Dois anos depois, o café começou a ser reconhecido. Foi
premiado pela SCAE (Speciality Coffee Association of Europe) na categoria "The Hidden
Treasure" (tesouro escondido).
Sexta geração
Filho dos produtores de
Mococa, o agrônomo José
Renato Gonçalves Dias, 36,
pertence à sexta geração de
cafeicultores de sua família e
está há quase 12 anos à frente
da Sertãozinho, propriedade
de Roberto Irineu Marinho.
Certificada e premiada dois
anos atrás no "Late Harvest
Competition", na Suíça, a fazenda destina, desde 2005,
uma parte da produção à torra
-5% dos grãos dão origem aos
blends Orfeu e Eurídice.
"O produtor sempre levou
tinta. Cultivava um bom café, e
colocavam preço nele. Com o
Orfeu, a idéia é fazer o produto
ser conhecido lá na ponta", diz
o diretor-geral José Renato.
Da colheita à xícara
Com a baixa umidade do ar,
quando a Folha visitou os cafezais boa parte dos frutos ainda
maturava nos pés, o que confere a eles um sabor tão adocicado quanto aquele que, na xícara, diferencia uma bebida especial de uma medíocre. Pinçado
com os dedos, um fruto maduro é espremido até soltar uma
gota sobre o medidor de brix,
que calcula o teor de açúcar.
Confirma o que a língua já
constatou: está doce, tem 24%
de açúcar -pode chegar a 29%.
Tanto numa quanto noutra
fazenda, a colheita é toda manual, um dos requisitos para
obter um café especial -além
de usar grãos 100% arábica, ter
demarcação de origem e nenhum defeito (leia mais no
quadro à esquerda).
Ainda na lavoura, materializa-se a clássica cena da abanação. Lançados ao céu, os frutos
caem de volta na peneira, enquanto as folhas voam e pousam no chão. Para não fermentarem, os grãos têm de seguir
no mesmo dia para o terreiro.
Na Pessegueiro, a produção é
depositada num tanque d'água,
cuja função não é lavar, mas separar os frutos. Mais leve, o natural (ou bóia, seco no pé) flutua, enquanto o cereja (maduro) e o verde afundam.
Por declividade, sistema
construído no século passado
pelo bisavô do atual proprietário, o natural desliza, morro
abaixo, por um canal, direto para o terreiro. Depois, escoa-se o
excesso de água, e o cereja e o
verde descem, por outra via,
até a descascadora.
Na Sertãozinho, os frutos
também são separados com a
ajuda d'água, mas numa máquina que isola os bóias dos
verdes e dos cerejas e se encarrega de descascar os últimos.
Nas duas fazendas, o café é
seco como reza a tradição: ao
sol. Na Sertãozinho, há até um
marcador, similar a um ábaco,
para controlar o número de rodadas. Lá, apenas os cafés commodity, não-especiais, são levados ao secador artificial.
Quando terminam de secar,
os grãos são guardados nas tulhas, onde passam pelo primeiro de três "descansos". "O café
usado no blend do Orfeu descansa três meses. Senão, fica
adstringente", diz Ana Cecília
Carvalho Gonçalves Dias, 33,
diretora comercial do Orfeu.
Depois de passarem pela separadora -uma enorme e bela
máquina de madeira em que o
café é, entre outras coisas, separado por tamanho-, os grãos
descansarão novamente por
uma longa temporada. No ano
que vem, os melhores grãos
chegarão às nossas xícaras.
A jornalista JANAINA FIDALGO viajou a convite
das fazendas Pessegueiro e Sertãozinho
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