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Em 1971, em Nova York, o artista Hélio Oiticica conversa com o poeta Haroldo de Campos,
morto no último dia 16, sobre cultura brasileira; a Folha publica trechos do encontro
Um bate-papo de vanguarda
MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE OPINIÃO
A conversa aconteceu em 1971,
no hotel Chelsea, em Nova York.
Reuniu o poeta paulista Haroldo
de Campos, então com 42 anos de
idade, e o artista plástico carioca
Hélio Oiticica, 34. A fita, uma das
pelo menos 20 "Héliotapes" que
Oiticica gravava e muitas vezes
enviava a amigos no Brasil, ficou
como uma espécie de registro-relâmpago daquela época e de alguns temas que alimentaram a
profícua amizade mantida por esses dois expoentes da vanguarda
cultural brasileira.
HC, morto em 16 de agosto, e
HO, em 1980, conheceram-se
pouco mais de uma década antes,
quando, no final dos 50, estavam
entre os artistas e poetas do Rio e
de São Paulo reunidos em torno
das propostas da arte e da poesia
concreta. Posteriormente, o grupo dividiu-se, numa cisão que
acompanhou, na maior parte, a
separação regional: os do Rio tornaram-se "neoconcretos" e os
paulistas continuaram concretos.
A ruptura acabou contribuindo
para mantê-los relativamente
afastados. O relacionamento, ao
menos segundo registros disponíveis, foi impulsionado por um encontro em Belém, em 1967, quando se reuniram num simpósio sobre arte e poesia. No mesmo ano,
HO, que já havia mostrado pela
primeira vez no Rio seus surpreendentes "Parangolés" (1965),
exibiu o "Penetrável Tropicália",
cujo nome deu título à canção de
Caetano Veloso e ao movimento
que teve nele e em Gilberto Gil os
protagonistas na música popular.
É curioso, na conversa em NY,
como HO mostra-se inquieto
com a adequação do termo "tropicalismo" para seu trabalho, como se àquela altura as coisas se
encaminhassem para uma nova
fase -o que, de fato, parecia
acontecer. Caetano e Gil encontravam-se desde 1969 exilados em
Londres, e o movimento já deixara de existir como tal.
Em 1971, o Brasil vivia o período
mais sombrio da ditadura militar.
A censura havia se tornado implacável e uma guerra era travada entre os órgãos de repressão e militantes de esquerda. No meio intelectual e artístico, apesar do "inimigo comum", o ambiente era de
desarticulação e não eram poucas
as divergências, boa parte ainda
desdobramentos dos ricos embates culturais dos anos 50 e 60.
Entre os jovens, prosperava a
"contracultura", movimento internacional, que arregimentava a
rebeldia e a contestação ao "sistema", entendido não apenas em
sua materialização propriamente
política, mas na dimensão existencial e comportamental.
Tudo parecia contribuir para
dar à movimentação cultural de
vanguarda ares de conspiração e
resistência, o que efetivamente
ocorria. Um certo sabor "underground" sobrevive nos trechos da
conversa que a Folha publica a seguir. "É um episódio de uma amizade que gerou frutos muito importantes para a arte brasileira",
diz Luciano Figueiredo, diretor
do Centro de Arte Hélio Oiticica.
A "Héliotape" com o poeta e o
artista teve circulação restrita, em
fita cassete, editada pelo Projeto
HO, mantido pela família Oiticica
-que autorizou a Folha a transcrever esse diálogo histórico.
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