São Paulo, domingo, 24 de agosto de 2003 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TROPICÁLIA VERSUS TROPICALISMO Hélio Oiticica - Aqui estamos no
saguão do hotel Chelsea, que é o
mais badalado e famoso de Nova
York. Essa é a entrevista com Haroldo de Campos, que está em
Nova York, depois de vir de Austin, Texas. (...) Acabamos de vir
do festival Bressane, no New Yorker. Que horas são? Haroldo de Campos - Uma e dez
[da tarde] agora. (...) Oiticica - Eu estava acabando de
perguntar ao Haroldo sobre o
problema de tropicália. (...) Você
sempre dizia que tropicália não
era tropicalismo. Acho que, na
realidade, o que acabou sendo foi
mais o tropicalismo do que a tropicália. Agora, de repente, eu senti
uma necessidade de usar a palavra tropicália outra vez, porque
acho que ela está revestida de uma
pureza estranha: ela não está carregada dessa coisa dissolvente
que aconteceu. A idéia de tropicalismo já estaria não só a priori carregada disso, como agora está
uma coisa insuportável de ouvir.
O que que você acha? Você acha
que eu devo usar tropicália ainda
como método de informação? Campos - Eu acho que sim, porque essa idéia de tropicália já vêm
de bastante tempo, está ligada ao
problema dos labirintos e a uma
série de experiências suas. Essa
coisa do "ismo" se passa sempre.
Os críticos mais conservadores,
os artistas que não têm o mesmo
empenho em fazer uma contínua
invenção, eles procuram acrescentar a palavra "ismo" toda vez
que se faz uma coisa nova dentro
do campo da arte, porque é uma
maneira de etiquetar e transformar essa coisa em objeto de museu e permitir que não se fale mais
no assunto. (...) É uma maneira
com a qual o próprio establishment acadêmico reage contra a
invenção, procurando neutralizá-la através do "ismo". Nós, por
exemplo, nunca aceitamos a idéia
de concretismo: para nós era poesia concreta. O que nos interessava era a idéia da concreção da linguagem, a linguagem como um
material concreto de trabalho. (...)
A concreção da linguagem visual,
sonora e semântica. Oiticica - Como o surrealismo,
por exemplo. É muito mais interessante usar o termo surreal. Campos - Surreal é que dá a idéia,
exatamente. Agora, (...) há uma
coisa muito brasileira sem ser
provinciana na palavra tropicália.
Dá uma idéia assim de (...) uma
espécie de museu crítico do trópico. Um museu vivo e um antimuseu também, porque tropicália
tem uma idéia de parafernália.
(...) O tropicalismo é uma etiqueta
que não tem nada a ver com a
idéia de tropicália, que é uma espécie de neoantropofagia, neocanibalismo osvaldiano [de Oswald
de Andrade], uma devoração crítica do museu brasileiro. Isso é
que é a tropicália, visto em termos
ativos, e não passivos. Oiticica - Isso é importante.
Quando se está em um contexto
internacional, é uma coisa importante de informar. É muito fácil,
eu senti que havia uma facilidade
incrível de informar o que fosse
tropicália de imediato, sem se
pensar em qualquer idéia. Mas no
Brasil, não. Acabaram transformando numa coisa folclórica. Campos - Subfolclórica. Oiticica - Folclore de tropicalismo, que é uma coisa insuportável. |
|