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TV
Pesquisador desvenda mistérios da produção de novelas no país e na América Latina
Celeiro intelectual, USP aprova "doutor noveleiro"
LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Por que brasileiro gosta tanto de
novela? Isso é bom para o país?
Por que só a Globo faz sucesso
com teledramaturgia no Brasil?
Celeiro da intelectualidade, a
Universidade de São Paulo abriu
espaço para a pesquisa do "doutor noveleiro" Mauro Alencar, 42.
Autor do livro "A Hollywood
Brasileira - Panorama da Telenovela no Brasil", ele teve aprovada
pela Escola de Comunicações e
Artes, no mês passado, a tese de
doutorado "América Latina: O
Paraíso das Telenovelas". Ex-estagiário do SBT e da Cultura e
consultor da Globo há dez anos,
Alencar foi ao México, Chile, Cuba, Argentina, Venezuela, Miami,
Uruguai e Colômbia para mapear
a produção de teledramaturgia.
Descobriu que a novela não é
um "vício" brasileiro, mas latino.
E que, apesar da supremacia da
Globo, há muito mercado mais
fervilhante do que o brasileiro
continente afora. Leia abaixo:
Folha - Por que o brasileiro gosta
tanto de ver novela?
Mauro Alencar - Não é só no Brasil, mas na América Latina toda,
incluindo a parte hispânica dos
EUA. Isso está na formação cultural do povo, na maneira como
passa a se enxergar, a se espelhar e
a transformar a história em capítulos em sua grande tribuna. Começou com a radionovela em
Miami, nos anos 30, que passou
para Cuba e se espalhou. Do mesmo jeito que o Brasil pára para ver
a surra de Maria Clara em Laura
["Celebridade"], Havana ficava
em silêncio com a transmissão da
radionovela "El Derecho de Nacer" ["O Direito de Nascer",
transformada em telenovela, inclusive no Brasil].
Folha - Por que a novela costuma
ser considerada produto cultural
inferior a uma peça ou um filme?
Alencar - Porque foi desenvolvida por empresários da Gessy Lever e da Colgate Palmolive, em
Miami. Pensaram: "Como vamos
prender a ouvinte em casa e fazê-la comprar sabão em pó?". O preconceito vem desse início publicitário, bem mais do que pelo fato
de a novela ter em sua origem o
folhetim, que é literatura popular.
Folha - O que diria para quem
acredita que assistir a novelas empobrece culturalmente?
Alencar - É preciso ver a novela
com outro olhar. Ela traz benefícios sociais, de agregação familiar.
É entretenimento, não educa, o
que é função da escola e da família. Mas também não deseduca.
Folha - Há no Brasil a possibilidade de uma emissora de TV ser forte
sem uma novela de sucesso?
Alencar - Não. Não se cria hábito
no telespectador brasileiro sem
novela. Quando tínhamos a Tupi
[extinta em 80], que produzia novelas, havia uma indústria realmente equilibrada no Brasil, como há no México, com a líder Televisa e a concorrente, a TV Azteca. Veio a Band, com "Os Imigrantes" [81/82] e outras, e pensamos que ocuparia o lugar da Tupi,
mas nada. Depois a Manchete,
com "Pantanal" [90], "Xica da Silva" [97] etc. E saiu do ar em 99. O
SBT é essa história rocambolesca,
sem estratégia novelística. Seria a
Azteca do Brasil, enquanto a Globo, a Televisa. Mas a Azteca investe, tem curso para formar mão-de-obra. "A Escrava Isaura", da
Record, é um bom produto. Mas a
rede tem de pensar na próxima.
Folha - Por que é difícil fazer novela de audiência fora da Globo?
Alencar - Porque a Globo, em 69,
reuniu um time que deu base à
moderna telenovela brasileira.
Começou a pensar em novela não
como um produto isolado. Vai
desde o cuidado com a sinopse até
a venda no exterior. Isso não
aconteceu com outras emissoras,
também prejudicadas por dificuldades econômicas. É preciso
montar um núcleo estável de teledramaturgia. É bom chamar um
cara com a experiência do Herval
Rossano [diretor de "Escrava
Isaura" na Globo, contratado pela
Record]. Mas não basta uma novela ir bem. É obrigatório pensar
na segunda. Na Colômbia, na Venezuela, há redes com condições
semelhantes às do SBT, Record,
que produzem novelas de sucesso, exportadas para vários países.
Folha - O que acha do fato de a TV
exibir hoje 14 novelas por dia, sendo que seis delas são brasileiras?
Alencar - Não há mão-de-obra
suficiente e espaço no mercado
para a produção de 14 nacionais.
Mas com certeza seria viável uma
concorrente da Globo com duas
novelas de boa audiência.
Folha - Produzir novela não é
muito caro? Ou é possível criar um
bom produto com menos do que os
R$ 200 mil de cada capítulo global?
Alencar - Dinheiro é preciso,
mas a novela gera muito lucro,
com trilha sonora, merchandising, exportação e promoções. E
na América Latina há novelas de
grande audiência nas quais não se
gasta tanto, como a "Usurpadora", da Televisa. "Ninho da Serpente" [Band, 82] não tinha muito dinheiro, mas um texto primoroso e uma direção excelente.
Folha - A Globo se reestabilizou
no Ibope da teledramaturgia ao investir no novelão, com os romances
de sempre e poucas inovações.
Uma história diferente, como foi
"Guerra dos Sexos" (83/84), é uma
ruptura cada vez mais esporádica?
Alencar - Sim, e estou sentindo
falta de rupturas. Isso se deve ao
aumento da busca por audiência,
que inibe inovações, e à falta de
concorrência na teledramaturgia.
Era diferente quando havia a Tupi. Com as duas produzindo novela, vieram as ousadias estéticas.
Folha - Na tese, você afirma que
as classes sociais mais baixas são
menos abertas a mudanças na TV.
Alencar - São. Quando a Globo
exibia novela mais experimental
às 22h, tinha dificuldade em atrair
o público de menor poder aquisitivo. Outro ponto: essa classe não
gosta de ver pobreza nas novelas.
"Brasileiras e Brasileiros" [SBT,
91], que mostrava a miséria, foi
um fracasso. A pobreza vai todo
dia à casa do telespectador, tem
de ser estilizada. As pessoas querem sonhar com a ascensão e ver
que rico também tem problemas.
Está aí a razão do sucesso de "Os
Ricos Também Choram".
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