|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MÔNICA BERGAMO
Querido Candidato
Maria de Lourdes de Moraes pede a Marta Suplicy uma vaga numa clínica de descanso para a irmã, Lucimeire. A pequena Isabel Oliveira, 10, "adoraria" que Marta "estivesse presente na minha competição de ginástica". Fátima Lisboa mora em Florianópolis, mas ainda assim escreve a José Serra para pedir "um carro que seja velho, com motor bom". Um ex-locutor quer ajuda para voltar a ser "um comunicador em radiodifusão AM ou FM".
A campanha de Serra recebe, por dia, 50 cartas escritas à mão. Marta recebe 30. São pedidos de emprego, de casa, de material de construção e até de uma simples visitinha.
"Sempre foi assim", diz a socióloga Maria Victória Benevides. "É natural, num país de desigualdades, em que o desconhecimento é total sobre o que significa eleger um governante. Os candidatos não são assistencialistas, mas as pessoas esperam que eles sejam." A coluna "bisbilhotou" a correspondência dos candidatos. Encontrou histórias comoventes, algumas tristes, outras cheias de graça.
Quando Marta Suplicy visitou o
Jardim Abril, no Butantã, uma
eleitora conseguiu colocar no
bolso dela um bilhete com o recado: "Maria. Cartomante do
Jd. Abril. Ligar".
Maria de Lourdes Carvalho, a
cartomante, estava aflita. Queria dizer a Marta o que tinha lido
nas cartas: "Não adianta: ela não
vai ganhar", diz Maria. A cartomante conta que amigas que
trabalham num comitê da petista já pediram a ela que jogasse as
cartas várias vezes, mas o resultado é sempre o mesmo: derrota. "Minha sobrinha pede: "Ô,
mulher, faz alguma coisa!" Eu
digo: "Ô, mulher, não posso fazer nada". A Marta não deveria
ter mexido com taxa de lixo, camelô e perueiro tudo junto,
não."
Bilhetes desinteressados como os da cartomante são raros.
Fátima Lisboa, 43, escreveu
uma carta com três páginas
cheias de elogios a Serra. No final, pediu um carro. "Eu tenho
até vergonha", disse ela à coluna. "Mas ele ia me deixar tão feliz! Eu ia me realizar." Fátima
tem tendinite e por isso foi afastada do serviço. Quer ganhar a
vida vendendo roupas. Mas, para isso, "preciso de um carro",
escreveu a Serra. "Velho e com o
motor bom."
Maria Edivânia, 25, é mais
modesta: pede apenas que Serra
use sua "influência política" para facilitar a negociação com a
faculdade de enfermagem. Ela
não pôde se rematricular porque atrasou o pagamento de algumas mensalidades. "O senhor deve saber que quem não
tem um sobrenome de peso não
consegue nada nesta vida", diz
Maria na carta. Até um ex-locutor pediu a José Serra que o indicasse para trabalhar em alguma
emissora de rádio. "Este é o
maior sonho que tenho", escreveu o radialista.
Há apelos dramáticos. Ana Paula dos Santos, 26, escreveu a
Marta na semana passada dizendo que era mãe solteira de
três crianças, de 7 e 5 anos e de 9
meses. A família mora numa casa de um cômodo. "O meu dia-a-dia é conviver com os ratos
(...) meu maior sonho é construir uma laje para que meus filhos possam viver melhor". Ana
está desempregada e conta na
carta que "às vezes choro, penso
em fazer besteiras". E termina
colocando "meus dois sonhos
em suas mãos: um emprego na
cozinha de um de seus CEUs e
uma casa decente". No mesmo
dia, outra eleitora, Lindinalva
Barros, escreveu a Marta dizendo que tinha construído uma
casa e precisava de móveis. "O
que a senhora me der está
bom."
As cartas endereçadas a Serra
são encaminhadas, em boa parte, à assessoria de imprensa.
Cerca de 10% são levadas ao conhecimento do próprio candidato. A orientação é responder
todas, explicando que muitos
pedidos não podem ser atendidos porque a lei eleitoral não
permite. No caso de Marta, a
correspondência é distribuída
entre a assessoria da campanha
e o cerimonial da prefeitura.
Não existe uma carta-resposta
padrão, mas em alguns casos o
remetente recebe até um telefonema de secretárias da prefeita.
Para os comitês eleitorais são
encaminhadas também cartas a
amigos dos candidatos, como o
presidente Lula e o governador
Geraldo Alckmin. Numa delas,
G. G. da Silva pede ajuda à primeira-dama, Lu Alckmin. Ela
diz que tem 56 anos e quatro filhas -só uma trabalha. Desempregada -"na minha idade,
não consegui arrumar mais emprego"-, ela pede a Lu uma cadeira de rodas e um carrinho de
hot-dog. "Mesmo usado, para
nós tentarmos sobreviver."
Texto Anterior: Espermatozóides entram na corrida Próximo Texto: TV: Celeiro intelectual, USP aprova "doutor noveleiro" Índice
|