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CRÍTICA
"Começar de Novo" deve rever estratégias
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
Com o começo bastante bem-sucedido de "Escrava Isaura" -a novela bateu o SBT no
horário entre 18h55 e 19h50 e
atingiu índices de audiência significativos- talvez a Globo tenha que rever as estratégias para
"Começar de Novo". É uma novela anódina, sem brilho especial, que talvez seja parcialmente
engolida à medida que o remake
do folhetim engrene.
De certa forma, o que funciona
em "Começar de Novo" é só o
núcleo duro de qualquer novela:
desencontros cá e lá, amores desejados e impossíveis, ou possíveis mas indesejados, gente ruim
que se dá bem, gente boa que se
dá mal, um tantinho de questões
que se pretendem mais coletivas
etc. etc. Ou seja, "Começar de
Novo" se conduz quase que só
pela fórmula, como se fosse simplesmente uma a mais na linha
de montagem.
Nesse sentido, "Escrava Isaura" provavelmente estará melhor. Receita por receita, a do novelão que conta o drama da escrava branca perseguida pelo senhor cruel já foi testada e retestada. Além disso, o fato de "ser de
época" permite esparramar a
fórmula até o paroxismo, coisa
que as novelas contemporâneas
ansiosa por "realismo" não podem. E, por um desses paradoxos
da ficção, os sentimentos desbragados, as vilanias ultrajantes, a
inocência ameaçada, os amores
imorredouros são tão mais verossímeis quanto exagerados.
O tema da vingança, mote do
personagem principal de "Começar de Novo", exige tintas fortes, tramas macabras, intrigas
muito bem elaboradas. Nada que
combine muito com o clima solar e juvenil que se tornou quase
que obrigatório para o horário
das sete. Mais problemático é fazer do galã o vingador. Aquele
que vai para vingar não pode ter
nenhuma piedade ou clemência
em relação àqueles que acredita
culpados pelo seu infortúnio -o
vingador, por definição, é implacável, como bem sabiam os filmes de faroeste.
Outro ponto fraco da novela
são os adereços, que costumam
distinguir uma novela da outra, a
ambientação, as temáticas que
funcionam como pano de fundo,
as referências externas. Há tempos que não se reunia um conjunto tão sem imaginação. Começa que o dado de exotismo escolhido -a ascendência russa
do personagem principal- tem
poucos ecos no imaginário brasileiro. Além disso, a Rússia produzida pelo Projac simplesmente
ignora os quase 70 anos de regime soviético, o que talvez fosse
uma das poucas noções sobre
aquele país que ainda esteja na
cabeça dos telespectadores.
Quanto ao racismo, não há
problema em "repetir" assunto,
dado que foi um dos eixos da novela anterior, "Da Cor do Pecado". A violência mal disfarçada
das relações raciais no Brasil é tema urgente, complicado e que
merece todos os esforços de esclarecimento. Por enquanto, está
circunscrito ao drama do adolescente Lucas (Guilherme Bernard). Se evoluir em alguma direção mais corajosa, talvez seja o
diferencial que está faltando.
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