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BIENAL DO LIVRO
"Bibliófilos" de Paraisópolis vão à Bienal e criticam preços de livros
CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL
Com 12 anos, Victor Pinheiro de
Abreu passa pelo menos cinco
horas por dia, desde o ano 2000,
cercado por mais de 8.000 livros.
Ele sabe quanto custa um
"Harry Potter" em cada uma das
grandes livrarias de São Paulo,
tem de cabeça, como quem guarda a escalação de seu time, os nomes das grandes editoras do país,
conhece as nuances do gosto das
dezenas de leitores que atende todas as tardes em uma biblioteca
na favela de Paraisópolis. Nunca
tinha ido a uma Bienal do Livro.
Esta semana, o garoto estreou
no maior evento do mercado editorial brasileiro. Ele e Claudemir
Alexandre Cabral, 23, "criador,
presidente, diretor-financeiro,
atendente e faxineiro" da biblioteca que funciona há oito anos na
segunda maior favela de São Paulo foram ao Centro de Exposições
Imigrantes, a convite da Folha.
Durante mais de três horas, a
dupla vasculhou os 45 mil metros
quadrados bienálicos.
Ganharam mais de dez livros,
receberam tapinhas nas costas
dos presidentes das duas principais instituições do mercado editorial brasileiro, Oswaldo Siciliano e Paulo Rocco, posaram para
fotos com escritores, saíram do
feirão com o mesmo palpite. "A
Bienal é "dez". Só não gostei dos
preços. Por isso não se vende livros no Brasil", analisa Victor.
Claudemir já sentiu o mesmo
no bolso. Tanto ele quanto dona
Gessi, a "mãetrocinadora" da Biblioteca do Paraisópolis. Agoniado com os pedidos da criançada,
ele arrecadou com a mãe, empregada doméstica no bairro de
Moema, no final do ano passado,
dinheiro suficiente para sua grande compra do ano: investiu R$ 160
nas quatro primeiras aventuras
do mago mirim Potter. Um exemplar extra, em inglês, de "Pedra Filosofal", aterrissou de Boston, dado por uma americana.
Foi com outras doações que
Claudemir levantou do chão a Becei (Biblioteca Escola Crescimento Educação Infantil). Começou
sua quixotada em 1995 na sala de
casa, à época um barraco de madeira. Era a "Minibiblioteca do
Mimi". "Minibiblioteca" aludia
ao tamanho do acervo, 15 livros;
Mimi é o modo como Claudemir
ainda é chamado pelos cerca de
150 visitantes diários que passam
entre as 10h e as 21h no espaço em
que o rapaz armazena 8.000 livros
e quatro computadores, com
acesso à internet.
Claudemir diz não ter notícias
de que algum dos usuários de sua
biblioteca tenha estado na Bienal.
Ele já estivera uma só vez no evento, em 1999, para debater com o
então presidente da Câmara Brasileira do Livro, Raul Wassermann, e com o ex-secretário do
Livro, Ottaviano de Fiore.
"A feira parece que cresceu, mas
não mudou muito", pondera
Claudemir. Tanto ele quanto Victor, seu "voluntário", ficaram espantados com o público.
"Nunca vi tanta gente na minha
vida", afirmou Victor, "nem no
Estádio do Morumbi". Na quarta-feira em questão, feriado, a Bienal
diz ter recebido 70 mil visitantes,
mesmo número de moradores estimados da favela na qual moram
os dois. De olhos na multidão,
Claudemir brinca: "Depois dizem
que brasileiro não gosta de ler".
Victor faz o contraponto, olhando para uma prateleira de livros
de filosofia no estande da editora
Paulus ("filosofia é um tema muito procurado na biblioteca"): "R$
30 por livro. Se o cara compra três
livros já foi R$ 100".
Algumas estantes mais à frente,
Claudemir aponta "O Código Da
Vinci", de Dan Brown. "Já recebi
pedidos para comprarmos este livro." O livro foi à venda há menos
de 15 dias. "Meus usuários são
exigentes." Claudemir diz que a
lista de espera na Becei para ler o
quinto "Harry Potter", por exemplo, já é de 58 pessoas. E a biblioteca nem tem o livro. Não tinha.
Os dois saíram da Bienal com
um "Harry Potter e a Ordem do
Fênix" estufando a sacola, junto
com exemplares de "Nova História", de José Jobson Arruda, que
ganharam no estande da Edusc,
"Sempre, às Vezes, Nunca", de
Fábio Arruda, presente da editora
Arx, entre outros livros.
Ganharam mais ainda promessas de outras muitas doações.
"Vou começar a cobrar amanhã
mesmo. Se não, já viu", diz Claudemir.
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