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CRÍTICA
Falta texto nos novos humorísticos
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
Ao que parece, humor é uma
das apostas da temporada
2004 da TV. Só a Globo estreou
dois novos programas ("A Diarista" e "Sob Nova Direção"),
mais um quadro fixo no "Fantástico", "As 50 Leis do Amor". O
SBT, depois de adiar várias vezes,
finalmente pôs no ar seu humorístico "Meu Cunhado".
Começaram todos muito mal
e, o que é incrível, por razões
muito semelhantes. Aparentemente, estamos botando no mesmo saco referências muito diversas de humor -a TV popularesca, o besteirol do teatro de apelo
popular, as experiências de ponta do núcleo Guel Arraes etc.-, o
que invalidaria qualquer tentativa de comparação. Mas, curiosamente, todas essas novidades optaram pelo formato sitcom e,
portanto, a comparação não apenas se torna possível como deixa
patente um mesmo problema
fundamental: não há texto.
Há piadas, boas (poucas) e más
(muitas), há palhaçada, há caretas, mas a junção de tudo isso
não é suficiente. Continua faltando o texto, as situações, o começo-meio-e-fim ou a subversão
competente dessa seqüência. Para além daquilo que parece ser
uma deficiência técnica crônica
da TV, ou seja, a precariedade
dos roteiros, o desacerto de experiências tão díspares sugere um
buraco mais embaixo.
Antes mesmo do roteiro, o que
parece não haver é um repertório
comum de experiências, costumes e até mesmo de linguagem
de onde as piadas e as situações
cômicas possam derivar.
À falta de projetos e imagens
nacionais, a cultura brasileira, no
sentido mais amplo que se possa
pensar, tornou-se tão segmentada que não há como estabelecer
um imaginário coletivo a partir
do qual extrair o inesperado.
Não é a toa que o "Casseta &
Planeta" continua funcionando
como contra-exemplo. Com agilidade de jornalistas, eles fazem
rir daquilo que está no noticiário
de duas horas antes ou dos últimos grandes temas -a novela, o
futebol, a libertinagem- da vida
do brasileiro.
Os novos programas até que
tentam derivar o riso das questões contemporâneas, mas a inexistência de uma linguagem comum acaba por fazê-los resvalar
na grosseria, no cinismo e na falta absoluta de graça. Em "A Diarista", a idéia é fazer rico rir de
pobre, como já apontou o crítico
da Folha Xico Sá (Ilustrada, 15
de abril de 2004); em "Meu Cunhado", fazer pobre rir daqueles
que têm aspirações à riqueza. Em
ambos, espera-se que o descompasso de pontos de vista e hábitos
das classes sociais seja o suficiente para fazer rir, mas as diferenças são delineadas de forma tão
pouco sutil que não funciona.
Em "Sob Nova Direção" e "As
50 Leis do Amor", o risível tenta
surgir a partir da exposição caricata das neuroses femininas, seja
nas relações entre mulheres (o
primeiro), seja nas relações delas
com os homens (o segundo).
Mas, novamente, em ambos as
piadas são gastas, as situações,
desajeitadas, o humor, fraco.
@: biabramo.tv@uol.com.br
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