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"FAHRENHEIT 11 DE SETEMBRO"
Filme de Moore une sarcasmo e demagogia
A cruzada anti-Bush de um cineasta justiceiro
JEAN-LUC DOUIN
DO "MONDE"
Depois da Palma de Ouro em
Cannes e de um sucesso imenso
nos EUA, esse panfleto eficaz mas
simplista, e ocasionalmente demagógico, estréia na Europa. Michael Moore usa todos os meios
para atingir seu objetivo: impedir
a reeleição de George W. Bush.
As discussões giram em torno
do "bom lugar"; onde instalar a
câmera, onde filmar os depoimentos, onde colocar os microfones? Dúvidas que geram novas
questões: até onde se pode ir com
o cinema-verdade, até que ponto
é possível reconstituir o real? A
proliferação de filmes que tomam
Bush por tema, ou alvo, introduz
uma nova noção, a do "bom momento". Nenhuma eleição presidencial foi precedida por tal acúmulo de obras de propaganda visual que questionam a honestidade de um candidato. Além de prova de uma saudável liberdade de
expressão, a situação nos faz refletir sobre o estatuto das acusações.
Com base em seus objetivos declarados, seu tom panfletário,
"Fahrenheit 11 de Setembro" [que
estréia na próxima sexta no Brasil] surge como filme militante,
como filme de propaganda, o que
não é uma infâmia, como Dziga
Vertov, Mikhail Kalatozóv e Joris
Ivens ajudaram a provar. Não importa o que diga o presidente do
júri, Quentin Tarantino, a recompensa que o filme obteve no festival de Cannes serve como confirmação desse fato.
Supondo que o prêmio tenha sido conferido por motivos que não
tenham conexão com o fato de
que Tarantino e Moore trabalham para a mesma produtora
(Miramax), afirmar, como o fez o
autor de "Kill Bill", que "Fahrenheit..." foi coroado apenas por
qualidades cinematográficas é ou
prova de incompetência ou mentira deslavada, para não dizer
uma escancarada provocação.
O estilo desenvolvido por Moore tem mais a ver com a revista
"Mad", com o humorista Karl Zero ou com programas investigativos feitos para a tela pequena do
que com o que é esperado de um
documentário cinematográfico.
Isso não quer dizer que "Fahrenheit" seja um mau filme, ou que
não se possa assistir com prazer a
esse trabalho sarcástico. Moore
relembra a eleição que conduziu
Bush à Presidência, depois de
uma contagem de votos problemática, para não dizer fraudulenta. Depois, ele encaixa uma seqüência satírica em que afirma
que de janeiro a setembro de 2001,
o presidente passou 42% de seu
tempo em férias.
Mas a graça logo se esgota. Para
introduzir os atentados de 11 de
Setembro, Moore emprega a única idéia cinematográfica do filme:
um minuto e 10 segundos de tela
escura. Só se ouve o som. Tudo
que ele relata a seguir é espantoso.
Como o governo Bush criou a
ilusão de que o Iraque era a base
do terrorismo, como promoveu
um clima de medo em todo o país
com a cumplicidade cega da mídia, e por que as TVs não mostraram imagens dos caixões de americanos mortos no Oriente Médio.
Isso já havia sido mostrado em
"Le Monde selon Bush" [O mundo segundo Bush], de William
Karel, entre outros, e de maneira
melhor. O que se vê em "Fahrenheit" é como o Estado utiliza as
classes populares como bucha de
canhão. Fiel a seu gosto pelo confronto, o diretor aborda congressistas para incitá-los a oferecer os
nomes de seus filhos para alistamento. O momento espantoso
em que se vê Bush atônito em
uma cadeira de escola maternal
quando lhe informam que um segundo avião atingiu uma torre do
World Trade Center adquire toda
sua força no filme, um impacto
arrasador: uma demonstração visual de que esse homem é incapaz
de dirigir os Estados Unidos.
O filme, que Moore designa como "não-ficção", se dirige a uma
audiência popular. Uma espécie
de Rambo da antiglobalização, ele
não poupa recursos para atingir
seu objetivo, a começar da idéia
de se colocar como justiceiro.
Depois de "A Paixão de Cristo"
fundamentalista de Mel Gibson,
em que Jesus clama contra seus
fanáticos torturadores, e de
"Tróia", de Wolfgang Petersen,
em que o ataque dos gregos é filmado como se prefigurasse o desembarque aliado na Normandia,
"Fahrenheit 11 de Setembro" é
um novo sintoma da maneira pela qual o cinema norte-americano
pratica o espetáculo como arte da
denúncia contra os eixos do mal.
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