São Paulo, domingo, 25 de julho de 2004

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Receitas ficam em segundo plano nos programas sobre gastronomia

BRUNO YUTAKA SAITO
DA REDAÇÃO

Num cenário asséptico e claríssimo que chega a lembrar a leiteria do filme "Laranja Mecânica", o chef Alex Atala maneja facas e panelas com uma rapidez que deixa desconcertados aqueles telespectadores que tentam apenas anotar receitas básicas.
Ao lado de Flávia Quaresma ele apresenta "Mesa pra Dois", que estréia nesta sexta-feira no GNT, um dos poucos programas brasileiros sobre gastronomia exibidos na TV paga. O setor preenche sua grade com inúmeros similares importados -são mais de 25-, mas brasileiros são poucos. Atualmente, apenas "A Arte da Gastronomia pelo Brasil" (Canal Brasil) e os interprogramas "Alimente-se Bem por R$ 1" (Futura) também falam o idioma local.
"Mesa" é produzido no país, mas tem a cara e o sotaque dos estrangeiros, que investem no entretenimento e dão mais ênfase a itens como produção, fotografia e cultura do que às receitas propriamente ditas. "Elas são apenas ilustrativas, é quase impossível ensinar algum prato em tempo real", diz Atala. "Fazemos entretenimento gastronômico, pinçamos as curiosidades, vamos muito além da cozinha. O passo-a-passo está no site [www.gnt.com.br]."
A Folha consultou 20 profissionais, entre chefs e proprietários de alguns dos principais restaurantes de São Paulo, para saber, enfim, se tais programas da TV paga rendem um bom prato.
"A maioria a que assisti são pretensiosos demais e mostram receitas que só funcionam em restaurantes. Mas gosto do "Truques de Oliver" (GNT) principalmente pela linguagem, fotografia e direção de arte", diz Cassio Machado, 41, do Di Bistrot.
Outra que desconfia da eficácia das receitas é Danielle Dahoui, 35, do Ruela, que, apesar de gostar da apresentadora Nigella Lawson (GNT), não aprova os pratos. "Já tentei fazer várias coisas que ela ensina, mas vi que suas receitas não funcionam. Seus pratos têm pouco tempero, ou então misturam muitos ingredientes." Nigella chega a ser uma espécie de apoio emocional para profissionais como Maria Helena Guimarães, do Spot e do Ritz. "Ela tira aquela angústia do tipo "o prato não vai funcionar" que costumamos ter."
Atala diz que essa tendência tem um sentido. No "Mesa pra Dois", por exemplo, Flávia visita restaurantes para contar a origem de determinados pratos, enquanto Atala chega a usar referências do cinema -no primeiro programa, ele cita "Vatel" quando fala sobre culinária francesa. "Isso serve como um incentivo para o cara que quer aprender a cozinhar -ele vai começar a pesquisar mais sobre o assunto. A panela é o elo entre a natureza e a cultura."
Mara Salles, 50, do Tordesilhas, acredita que muitos dos importados pecam pela maquiagem. "Falta conteúdo, muitos mostram resultados que só ficam bonitos na TV. Já vi muitos programas com apresentadores que mais parecem animadores de auditório. Para ser bom, ele deve ter receitas."
Assim como Mara, Roberto Ravioli, 51, do Emporio Ravioli, cita programas que passam no People + Arts e TV Casa Club. O primeiro traz atrações como "Duas Gordas de Talento", que acrescenta turismo à fórmula, enquanto o segundo tem "Sizzle", que investe no humor, com um "apresentador jovem, moderno e irreverente". Já Marie France Henry, do La Casserole, acredita que uma receita só ganha vida quando ela está inserida em um contexto cultural. No entanto, ela tem dúvidas sobre a eficácia. "Por estarem restritos à TV paga, acredito que não devem atingir muitos profissionais de nível médio. Já os grandes chefs buscam outras fontes, e não a televisão." Prato bonito nem sempre enche a barriga.


MESA PRA DOIS. Quando: sex., às 21h, no GNT; reprises: sáb., às 12h e 16h30.


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