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Receitas ficam em segundo plano nos programas sobre gastronomia
BRUNO YUTAKA SAITO
DA REDAÇÃO
Num cenário asséptico e claríssimo que chega a lembrar a leiteria do filme "Laranja Mecânica",
o chef Alex Atala maneja facas e
panelas com uma rapidez que
deixa desconcertados aqueles telespectadores que tentam apenas
anotar receitas básicas.
Ao lado de Flávia Quaresma ele
apresenta "Mesa pra Dois", que
estréia nesta sexta-feira no GNT,
um dos poucos programas brasileiros sobre gastronomia exibidos
na TV paga. O setor preenche sua
grade com inúmeros similares
importados -são mais de 25-,
mas brasileiros são poucos.
Atualmente, apenas "A Arte da
Gastronomia pelo Brasil" (Canal
Brasil) e os interprogramas "Alimente-se Bem por R$ 1" (Futura)
também falam o idioma local.
"Mesa" é produzido no país,
mas tem a cara e o sotaque dos estrangeiros, que investem no entretenimento e dão mais ênfase a
itens como produção, fotografia e
cultura do que às receitas propriamente ditas. "Elas são apenas ilustrativas, é quase impossível ensinar algum prato em tempo real",
diz Atala. "Fazemos entretenimento gastronômico, pinçamos
as curiosidades, vamos muito
além da cozinha. O passo-a-passo
está no site [www.gnt.com.br]."
A Folha consultou 20 profissionais, entre chefs e proprietários de
alguns dos principais restaurantes de São Paulo, para saber, enfim, se tais programas da TV paga
rendem um bom prato.
"A maioria a que assisti são pretensiosos demais e mostram receitas que só funcionam em restaurantes. Mas gosto do "Truques
de Oliver" (GNT) principalmente
pela linguagem, fotografia e direção de arte", diz Cassio Machado,
41, do Di Bistrot.
Outra que desconfia da eficácia
das receitas é Danielle Dahoui, 35,
do Ruela, que, apesar de gostar da
apresentadora Nigella Lawson
(GNT), não aprova os pratos. "Já
tentei fazer várias coisas que ela
ensina, mas vi que suas receitas
não funcionam. Seus pratos têm
pouco tempero, ou então misturam muitos ingredientes." Nigella
chega a ser uma espécie de apoio
emocional para profissionais como Maria Helena Guimarães, do
Spot e do Ritz. "Ela tira aquela angústia do tipo "o prato não vai funcionar" que costumamos ter."
Atala diz que essa tendência tem
um sentido. No "Mesa pra Dois",
por exemplo, Flávia visita restaurantes para contar a origem de determinados pratos, enquanto
Atala chega a usar referências do
cinema -no primeiro programa,
ele cita "Vatel" quando fala sobre
culinária francesa. "Isso serve como um incentivo para o cara que
quer aprender a cozinhar -ele
vai começar a pesquisar mais sobre o assunto. A panela é o elo entre a natureza e a cultura."
Mara Salles, 50, do Tordesilhas,
acredita que muitos dos importados pecam pela maquiagem. "Falta conteúdo, muitos mostram resultados que só ficam bonitos na
TV. Já vi muitos programas com
apresentadores que mais parecem animadores de auditório. Para ser bom, ele deve ter receitas."
Assim como Mara, Roberto Ravioli, 51, do Emporio Ravioli, cita
programas que passam no People
+ Arts e TV Casa Club. O primeiro traz atrações como "Duas Gordas de Talento", que acrescenta
turismo à fórmula, enquanto o segundo tem "Sizzle", que investe
no humor, com um "apresentador jovem, moderno e irreverente". Já Marie France Henry, do La
Casserole, acredita que uma receita só ganha vida quando ela está
inserida em um contexto cultural.
No entanto, ela tem dúvidas sobre
a eficácia. "Por estarem restritos à
TV paga, acredito que não devem
atingir muitos profissionais de nível médio. Já os grandes chefs
buscam outras fontes, e não a televisão." Prato bonito nem sempre
enche a barriga.
MESA PRA DOIS. Quando: sex., às 21h,
no GNT; reprises: sáb., às 12h e 16h30.
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