|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANÁLISE
Projeto híbrido é destaque entre os modernistas
GUILHERME WISNIK
ESPECIAL PARA A FOLHA
Flávio de Carvalho tornou-se mais conhecido
por suas performances e por
seu temperamento provocativo do que por sua arquitetura. Isso talvez se deva ao
fato de que, nessas atividades mais "experimentais",
ele tenha travado importantes diálogos tanto com outras áreas do modernismo
brasileiro, como a literatura
de Oswald de Andrade,
quanto com movimentos
posteriores, como a tropicália (tanto na música como
no teatro).
Para isso basta pensar em
sua passeata-desfile ("Traje
New Look Tropical"), de
1956, em que saiu às ruas
vestido de saia, ou nas suas
"Experiências" da década de
30, em que desacatou uma
procissão de Corpus Christi
e terminou preso após ser
quase linchado.
Já no campo da arquitetura, são sutis os traços que diferenciam o conjunto de residências na alameda Lorena
-seu projeto mais conhecido- das casas de Gregori
Warchavchik.
Aliás ambos, representantes do pioneirismo moderno
paulista na arquitetura, passaram para um discreto segundo plano após o deslanche da "escola carioca" na
década de 30.
Flávio, sobretudo, que notabilizou-se por ter construído muito pouco, ficou na
sombra. No entanto o que
importa destacar em sua
obra arquitetônica não é o
resgate de um discutível pioneirismo, mas o modo espantoso como representa
um caso híbrido e dissonante entre seus pares.
Flávio de Carvalho tinha
um modo tão próprio de
projetar que não fez escola.
Sua arquitetura não seguiu
nem o caminho plástico de
Le Corbusier nem o pedagógico-formativo da Bauhaus.
Procurou mais uma combinação heteróclita entre futurismo e culturas ancestrais.
Esses elementos, que fazem despontar o seu caráter
mítico-simbólico, se materializam no projeto de sua
casa, na fazenda Capuava.
Pois a forma piramidal do
corpo principal, acompanhado de duas alas domésticas, apelidadas de "labirinto
das tumbas", tornam a referência à arquitetura egípcia
evidente. Mas a analogia
moderna de uma aeronave,
com duas asas abertas, é
igualmente plausível.
Completando com uma
combinação interna de painéis de madeira e de alumínio, esse "objeto não-identificado" é capaz de aludir à
capacidade da tecnologia de
ser, ao mesmo tempo, visionária e irracional. Pela qual,
no caso, a potência trágica
das vanguardas, que assume
nessa casa um caráter mórbido, é posta a favor de uma
fantasia libertária, vivida ao
mesmo tempo como um ímpeto erótico de vida.
Guilherme Wisnik é arquiteto,
autor de "Lucio Costa" (Cosac &
Naify, 2001)
Texto Anterior: Marco inicial tem destino indefinido Próximo Texto: Mônica Bergamo Índice
|