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Crítica/ "A Dançarina de Izu" e "Beleza e Tristeza"
Estréia de Kawabata exalta o pudor
Primeiro livro de Yasunari Kawabata, Prêmio Nobel de 1968, ganha tradução direta do japonês; último livro é relançando
MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA
Com "A Dançarina de
Izu", prossegue a série
de traduções, realizadas diretamente do japonês,
que a editora Estação Liberdade vem publicando das obras de
Yasunari Kawabata (1899-1972), Prêmio Nobel de Literatura de 1968.
Trata-se de uma novela escrita em 1925, época em que o
escritor experimentava o domínio das narrativas brevíssimas, coligidas mais tarde nos
seus "Contos da Palma da Mão"
(ed. Estação Liberdade).
Mas se os "Contos da Palma
da Mão" por vezes parecem algo incipientes e concisos além
da conta, os leitores que admiraram a extrema beleza literária de "Viagem ao País das Neves" e da "Casa das Belas Adormecidas" não se decepcionarão
com "A Dançarina de Izu". Apesar de ter sido o livro de estréia
do autor, já é um texto de arte
consumada.
Uma viagem a pé pelas montanhas, partindo de Tóquio no
rumo da península de Izu, ocupa o jovem protagonista da história, no qual se podem reconhecer traços autobiográficos
de Kawabata. No caminho, ele
encontra uma pequena trupe
de atores ambulantes, da qual
faz parte uma linda dançarina
de 13 anos.
Entre ambos vai surgindo algo que seria vulgar demais chamar apenas de paixão.
Passam-se poucos dias, e o
desejo de aproximação se vê
desde o início tingido de fugacidade e distanciamento. A extrema juventude dos protagonistas intensifica-lhes a timidez, e
mesmo o próprio desconhecimento das reações que sentem
um pelo outro.
Predomina no livro o espírito, sem dúvida muito japonês,
de apreciar a beleza e a poesia
que existem no sentimento do
pudor. Nada se harmoniza tanto com essa dimensão psicológica, na qual não cabe nenhum
moralismo ou rigidez, que o
constante recurso às anotações, muito leves, acerca da
passagem do tempo e dos caprichos da paisagem. Como tantas
vezes em Kawabata, são as estações termais, fora de temporada, envoltas na neve ou nas
luzes do outono, que servem de
cenário à história.
"Beleza e Tristeza"
Pode-se encontrar o mesmo
senso de nuance no primeiro
capítulo de "Beleza e Tristeza",
no qual se narra a viagem de um
velho escritor, Oki Toshio, até a
cidade de Kyoto, para ouvir os
sinos que tradicionalmente celebram o final do ano.
Lá ele irá encontrar a ex-amante, a quem havia abandonado décadas antes. O diálogo
entre os dois, delicado e discreto, vai sendo traçado contra o
pano de fundo das belas paisagens que Kawabata é mestre
em descrever.
Mas neste romance relativamente longo, o último escrito
por Kawabata, sente-se algum
cansaço na exposição do enredo, como se o autor tivesse de
"despachar", sem muitas sugestões, o relato do que se passa
entre os personagens. Dada a
complicação dos relacionamentos (um polígono amoroso
do qual participam o escritor,
sua mulher, seu filho, sua ex-amante e a companheira desta
última), perde-se um bocado
daquela capacidade para o não-dito, para a melancolia que nos
toca quase como uma brisa, que
faz de "A Dançarina de Izu"
uma obra-prima.
É um motivo a mais de interesse o fato de que "Beleza e
Tristeza" (em reedição, trazido
ao português a partir da tradução inglesa de Howard Hibbett)
e "A Dançarina de Izu" tenham
um lançamento praticamente
simultâneo. Tratando também
da sedução de uma adolescente, o último romance de Kawabata religa-se autobiograficamente ao seu primeiro livro; a
resignação diante da passagem
do tempo, observada quase como um fato estético, é sem dúvida um encanto, e uma sabedoria, presente de uma ponta a
outra na obra desse grande escritor.
A DANÇARINA DE IZU
Autor: Yasunari Kawabata
Tradução: Carlos Hiroshi Usirono
Editora: Estação Liberdade
Quanto: R$ 29 (104 págs.)
Avaliação: ótimo
BELEZA E TRISTEZA
Autor: Yasunari Kawabata
Tradução: Howard S. Hibbett e Alberto
Alexandre Martins
Editora: Globo
Quanto: R$ 36 (292 págs.)
Avaliação: bom
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