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Crítica/"Cordélia Brasil"
Maria Padilha e Gawronski revitalizam texto de Bivar
Texto dos anos 60 não choca mais ninguém, mas atrai pela poética ingenuidade
SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
E
ncenada para espantar
o burguês naquele ano
agridoce de 1968, do AI-5 e do "Álbum Branco" dos Beatles, a peça "Cordélia Brasil"
consagrou seu autor, Antonio
Bivar, em um sucesso de escândalo e de insolente afirmação
de uma geração nova de dramaturgos brasileiros.
Proibida pela censura ainda
nos ensaios, junto a "Barrela"
de Plínio Marcos, e "Santidade", de José Vicente, a peça só
conseguiu estrear no teatro
Mesbla graças à mobilização
dos intelectuais que assistiram
a uma leitura clandestina no
apartamento de Danuza Leão.
Primeira direção de Emílio di
Biasi, que subiria ao palco na
chegada da peça ao Teatro de
Arena, e protagonizada pela corajosa musa Norma Bengell,
que atraía uma platéia atônita,
a montagem ganhou todos os
prêmios da época, foi qualificada pelo crítico Yan Michalski,
do "Jornal do Brasil", como
"uma das mais poéticas contribuições para a antologia de
nosso florescente tropicalismo", e, 20 anos depois, o texto
já era apontado por outro importante crítico, Sábato Magaldi, como "um clássico do moderno repertório brasileiro".
Distanciamento
Quarenta anos depois, Cordélia renasceu no recente Festival Internacional de Rio Preto, por iniciativa de Maria Padilha e com direção de Gilberto
Gawronski. Décadas de distanciamento lhe fizeram bem.
Já não choca mais ninguém,
com sua protagonista que sustenta o patético parceiro Leônidas -mantido criança no
ócio e na ilusão de fama- trabalhando como prostituta iniciadora de menores como Rico,
que acaba vindo também compartilhar o apartamento deles.
A peça atrai agora justamente por sua poética ingenuidade,
seu fluxo descabelado e psicodélico, como se fosse uma
história em quadrinhos de Robert Crumb.
Ultrapassada enquanto vanguarda, sua unidade de tempo e
lugar faz com que soe como
uma comédia de costumes, e
Gawronski acerta ao acentuar
o que ela tem de mais datado.
Cenografia (Luis Henrique Sá),
figurino (Marcelo Pies) e trilha
(Berna Ceppas) remetem ao
colorido da época, e a disposição em arena torna a platéia
cúmplice, chegando a ser convocada a promover um singelo
efeito especial, com bolinhas
de sabão.
Padilha na fogueira
Jogando-se assim na fogueira, a exemplo de Norma Bengell, Maria Padilha vence o desafio. Apesar de algumas inseguranças de dicção, passa bem
pela prova do palco alternativo,
com o apoio do carismático Cadu Fávero e do garoto prodígio
George Sauma, que tem segurança de veterano.
Revitalizada, esta Cordélia
do século 21 ganha sobretudo
uma sutileza inesperada. Em
vez do escracho extrovertido a
que parece, inevitavelmente,
remeter, a direção conseguiu
extrair do texto uma solidão secreta, um heroísmo patético e
auto-indulgente, que tenta
mascarar um beco sem saída de
falsas soluções mágicas.
Expulso de casa por um pretexto infantil, Leônidas parece
lamentar não ter tido um casamento de verdade: é o porta-voz de uma geração que nunca
conseguiu amadurecer, que
agora é resgatada com generosidade pela geração seguinte.
CORDÉLIA BRASIL
Quando: sex. a dom., às 20h30; até 7/8
Onde: Sesc Avenida Paulista (av. Paulista, 119, tel. 0/xx/11/3179-3700)
Quanto: R$ 5 a R$ 20
Classificação indicativa: não recomendado para menores de 14 anos
Avaliação: bom
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