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CRÍTICA
Sexo, amor e gritaria nas tardes dominicais
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
Elas gritam . E gritam. Gritam quando entra a apresentadora. Gritam quando ela dança. Gritam quando ela rebola
diante das câmeras. Gritam
quando ouvem alguma insinuação maliciosa. Gritam quando
entra um homem. Gritam quando ele sorri, quando ele fala.
Por que gritam tanto as moças
e meninas que vão ao "Jogo da
Vida"? O programa tem ocupado
com audiência razoável uma faixa extensíssima do domingo na
Bandeirantes, das 15h30 às
19h30. Em vez das variedades habituais, a atração comandada por
Márcia Goldschmidt é monotemática: relacionamentos amorosos, em suas várias modalidades.
Claro, há coisas imutáveis nos
atuais programas de auditório:
os comerciais que aparecem sem
pausa nem transição; a dupla
função de apresentador(a) e garoto(a)-propaganda; o fato de
tornar-se a vitrine para uma espécie de submundo de celebridades diversas; o culto à personalidade do apresentador(a) e a palavra de ordem "Alegre-se ou morra". E, sim, também em o "Jogo
da Vida" o tempo é esticado a
ponto de deixar de fazer sentido.
Por que diabos, então, elas gritam daquela maneira, sempre esganiçada, quase sem trégua? Um
programa de auditório pressupõe auditório, é claro. Até há
uma expressão algo ofensiva para denominar o público que vai a
esses programas, dado o grau de
histeria que se espera do comportamento dessas pessoas. Ou
seja, o auditório grita, via de regra desde sempre. A audiência
participativa está na definição
desse tipo de programa.
Mas, as meninas, moças e mulheres que vão ao "Jogo da Vida"
gritam mais. A impressão é que
elas gritam o tempo inteiro. Não
é verdade, elas até que dão umas
pausas para Márcia Goldschmidt
falar, apresentar, apalpar, pontificar e anunciar. Mas é por um
segundo apenas, depois elas recomeçam. A gritar.
Ah, então será que é por causa
do assunto? Afinal, os diversos
quadros do programa falam de
sexo, amor e seu arsenal de vicissitudes: sedução, abandono, separação, reconciliação e traição.
Todos assuntos titilantes, palpitantes -sobretudo para o público feminino. Algo proibidos, interditados e reservados. Mas,
não, estão na TV, no centro da
sala, em pleno domingo, desfilando diante da família. Em vez
da reserva, o constrangimento de
ver as intimidades dos outros
desfilando na tela e as próprias
refletidas no tubo. Então, aqui, a
"alegria", a emoção pré-fabricada de 99% dos programas de auditório, não basta -e nem é
bem-vinda, na verdade.
É preciso pontuar a transgressão programática, é preciso ensurdecer qualquer tentativa de se
relacionar com esses assuntos de
maneira pessoal, privada -e,
eventualmente, diferente daquela que é encenada no programa.
Controlar, em suma, a emergência de qualquer emoção verdadeira -ninguém na TV está interessado nela.
Portanto, há que chegar à beira
do desvario. Daí os gritos incessantes, os uivos, os ululos.
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