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MÔNICA BERGAMO
Operários da ópera
0 soprano inglesa Morenike Fadayomi, 40, foi a primeira do elenco a chegar ao Teatro Municipal, na
tarde da quarta-feira, 22 -dia do ensaio geral de
"Salomé", ópera de Richard Strauss baseada em texto
de Oscar Wilde que estrearia na sexta-feira.
No teatro ainda vazio, ela aquece a voz e prova o figurino: body e sutiã cor de pele com miçangas. O azul da
sapatilha é reprovado pela diretora, Ana Carolina, que
prefere cor da pele. Não há nenhuma no tamanho do pé
da cantora, 37. "Manda pintar", sugere Ana.
No camarim ao lado, a meio-soprano brasileira Céline Imbert,
que interpreta a mãe de Salomé,
Herodíades, tem seu próprio séquito de camareiras, cabeleireiras e costureiras. Depois do ensaio, ela planejava ir para casa,
no centro de São Paulo, para ficar muda, sem atender o telefone nem receber visitas. Faria
também massagem, palavras
cruzadas e lavaria louça. "Nossa
vida não tem o glamour que as
pessoas pensam", conta. "A
gente não sai de casa."
Estrelas de um dos mais festejados espetáculos de ópera do
ano -a última montagem de
"Salomé" por aqui foi em
1923- Morenike, Celine e os
outros 13 cantores que com elas
dividem o palco do Municipal
desde a sexta-feira impressionam pela simplicidade. O cachê
de Morenike é de US$ 3.000 por
apresentação. O dos outros, até
um terço a menos.
Rosa Casalli, coordenadora de
produção, conta que os únicos
pedidos feitos pelos cantores
para incrementar os camarins
durante a temporada foram
água e chás -de qualquer sabor. Nada que lembre a vez em
que, numa produção de Free
Jazz, Rosa revirou a cidade em
busca de 25 patas de caranguejo
para o cantor George Benson.
Achou... e ele comeu somente
duas. Rosa é a "babá" dos cantores e músicos. Carrega na cintura uma bolsa grande o suficiente
para abrigar uma agenda, celular, calculadora, ingressos, cronograma da ópera, minilanterna, curativos e colírio.
Dentro do camarim, o toque
estridente do celular de uma das
cabeleireiras incomoda Céline,
que faz cara feia. "Detesto barulho." A presença dos cantores líricos impõe silêncio ao Municipal. Os cerca de 80 técnicos, figurantes, bailarinos e produtores correm contra o tempo, mas
sem barulho. Cantores líricos
em geral não fumam, não bebem e, perto dos dias de apresentação, ficam concentrados,
como atletas antes de grandes
competições. Os funcionários,
por isso, são orientados a não ficar agitados perto deles.
Enquanto Rosa cuida dos cantores, o inspetor da orquestra
Carlos Nunes, 48, limpa o pódio, local de onde o maestro rege a orquestra, no fosso localizado entre o palco e a platéia. Seu
trabalho é mais ou menos como
o de um bedel de escola, mas
cuidando dos 111 músicos da orquestra. "Sou o chato que faz o
meio de campo entre o maestro
e os músicos". É ele quem controla os horários de ensaio e
convoca os membros da orquestra para o teatro -cada tipo de instrumento ensaia em
momentos diferentes: instrumentos de corda, por exemplo,
ensaiam em momento diferente
dos de percussão.
Em dias de apresentação no
Municipal, ele chega duas horas
antes para checar se o palco está
limpo, se as luzes funcionam, se
tudo, enfim, está no lugar. Quando a orquestra viaja, ele
vai na frente com dez dias de antecedência. Se a apresentação
for ao ar livre, confere a trajetória do sol: o calor dilata os instrumentos e altera a afinação.
O cenotécnico Aníbal Marques,
o Pelé, 44, acaba de completar o
jubileu de prata no Municipal.
Ele ganha R$ 2.000 e mora em
Itaquera. Cuida de uma equipe
de 20 maquinistas, contra-regras, iluminadores e sonoplastas. No dia da estréia da ópera
"Carmen", teve que voltar correndo de Brasília para consertar
uma porta de acrílico e vidro de
11 m de altura e 12 m de largura,
que fazia as vezes de cortina e
não abria de jeito nenhum.
O cenário de "Salomé" leva a
assinatura de Henrique Lanfranchi. A quantidade de isopor
usada, de 70 m 3, se empilhada,
ficaria com 10 m de altura, quase o tamanho de um prédio de
três andares. Uma bola de ferro
representa um calabouço dentro do qual fica preso um dos
personagens, João Batista (o barítono Donnie Ray Albert). Para
evitar que bola e barítono simplesmente
rolassem
palco abaixo, foi preciso calcular o
peso da estrutura de forma
proporcional
aos cem quilos
do cantor. Parece piada, mas
imprevistos até
piores já aconteceram. As costureiras contam que
um cantor perdeu
as calças em pleno
palco, pois era gordo e se recusou a
usar suspensório.
A maior preocupação dos diretores e
produtores do teatro
é, claro, com a voz
dos músicos. Na
montagem de "Madama Butterfly", em
2002, o russo Andrej
Lantsov, protagonista
do espetáculo, comeu
salgadinhos nas barraquinhas de rua que ficam perto do Municipal. Teve gastroenterite
e perdeu a voz. A diretora Ana Carolina conta
que, num ensaio de "Salomé", a soprano Morenike perdeu sua garrafinha de mel. "Andei pela
coxia de quatro procurando", diz Ana.
Números: o orçamento
anual do Municipal é de
R$ 18 milhões. O maestro
Ira Levin ganha US$ 90
mil/ano de cachê. "Salomé" custará até R$ 750 mil.
Cinco meses de trabalho e
80 "operários" são necessários para só cinco apresentações (uma hoje, as próximas
nos dias 28, 30 e 1º). Em novembro, outra ópera tomará
o Municipal. A montagem de
"Os Contos de Hoffmann",
de Offenbach, que, até semanas atrás, estava ameaçada por
falta de dinheiro, terá a participação de até 140 trabalhadores.
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