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27ª MOSTRA INTERNACIONAL DE CINEMA DE SP
Premiado no Festival de Sundance, documentário sobre acusação de pedofilia de 1987 quer mostrar que "a verdade é vaga"
Família se desmorona na frente da câmera
LÚCIA VALENTIM RODRIGUES
EDITORA-ASSISTENTE DA ILUSTRADA
O que começou como um documentário inocente sobre palhaços
animadores de festas em Nova
York se transformou numa história de desagregação familiar e
acusações de pedofilia.
O cineasta Andrew Jarecki, 40,
investigava sem grandes pretensões um grupo de palhaços:
"Achei que poderia encontrar
uma história interessante entre
esse tipo tão peculiar de pessoas".
Mas as coisas acabaram não caminhando exatamente para esse
lado. Ele conheceu o palhaço nº 1
da cidade, David Friedman, e acabou sendo levado por sua experiência pessoal.
"Após trabalhar com ele por
cinco meses, percebi que escondia um grande segredo. Quando
comecei a entender o que era, não
consegui me concentrar em mais
nada. Era algo muito fascinante e
irresistível de mergulhar. A parte
boa dos segredos é que sempre há
alguém querendo que eles deixem
de ser segredos", diz Jarecki.
David é o filho mais velho da família Friedman, formada pelo
chefe da casa (Arnold), mulher
(Elaine) e três garotos (David,
Seth e Jesse), parte da típica classe
média de Long Island. Cresceram
na frente de uma câmera portátil,
sem grandes momentos brilhantes -Jarecki utilizou grande parte de horas de vídeos caseiros que
retratavam o cotidiano e as brigas
familiares. "Apesar de haver um
caso criminal, o cerne do filme é
mostrar a ruína de uma família
norte-americana. Quis fazer o retrato dessa comunidade e ser justo com todo mundo", explica.
O crime em questão é a acusação de que Arnold e seu filho mais
novo, Jesse, na época com 18 anos,
teriam cometido estupro e sodomia com alguns garotos que tinham aulas de computação no
porão da casa dos Friedmans.
Culpados ou não -o filme não
tem a pretensão de elucidar o caso-, o que se vê na tela é a comoção pública criada na mídia e uma
investigação que vai sendo levada
de maneira duvidosa. "Não quis
difundir uma doutrina nem vender um lado da história. O filme
apenas mostra as evidências e deixa o público funcionar como júri
do caso, já que o processo nunca
chegou ao fim [ambos se declararam culpados para obter redução
das penas]", afirma o diretor.
O caso é desconstruído pedaço
a pedaço: crianças da época que
depuseram contra os Friedmans
contradizem suas próprias declarações, investigadores demonstram que conduziram as respostas, o advogado de defesa conta
que Arnold assumiu ser pedófilo,
e a cabeça do espectador é tomada
por dúvidas e inverosimilhanças.
Nada se revela tão simples como
o inicialmente imaginado. "Trabalhei na edição do filme por três
anos e senti que tinha de deixar
todas as partes contarem sua versão da história, sem apará-las. A
consequência que se vê na tela é a
exploração da verdade em si e o
quanto essa verdade pode se revelar vaga e enganosa."
A estréia de Andrew Jarecki na
direção foi premiada no Festival
de Sundance deste ano com a estatueta de Grande Prêmio do Júri
em documentário.
"Ninguém no longa é bom nem
mau. Arnold é um bom pai, mas
que fez coisas horríveis na vida. A
polícia também comete erros na
condução do caso, mas parece
tentar fazer a coisa certa. Quando
comecei a filmar, não estava certo
do que iria encontrar, mas o que
me absorveu nesse enredo foi a
possibilidade de mostrar a complexidade humana e uma história
cheia de compaixão."
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