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"As gravadoras dançaram", diz Manu Chao
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
No Brasil desde o início da semana, onde ensaiou em estúdio
emprestado por Kid Abelha (um
de seus muitos amigos na música
brasileira), o franco-espanhol
Manu Chao falou à Folha.
Folha - Parceiro de artistas e grupos tão distintos como Skank, Carlinhos Brown, Circo da Madrugada,
qual é sua identificação com o país?
Manu Chao - A primeira vez que
tive a sorte e a oportunidade de
chegar ao Brasil foi com o [projeto
franco-brasileiro] Cargo 92. Foi
um "enamoramento". Conheci o
Brasil entrando pelo Rio, de barco. Fiquei um tempo na praça
Mauá e, desde então, me reconheço carioca.
O Brasil não é só um país, é um
continente. Musicalmente, foi
uma grande surpresa. Na Europa,
não sabíamos que a música brasileira é tão diversa. Eu me surpreendi muito, por exemplo, com
a importância do acordeom e
com toda a tradição de repentistas
e emboladas do Nordeste.
Folha - Você grava álbuns em estúdios artesanais e alterna a carreira solo com a companhia de bandas
diversas. É correto definir Manu
Chao como guerrilheiro da música?
Chao - Meu melhor assistente, na
música e na vida, é a casualidade.
Trabalhar com a casualidade não
lhe permite saber que horas estará
ou não inspirado. Minha solução
é levar sempre o estúdio comigo.
Graças à tecnologia, agora posso
gravar na cozinha, na casa de um
amigo, em qualquer lugar. Isso
pode ser problemático do ponto
de vista da qualidade do som, mas
eu sempre privilegiei a emoção.
Os grandes estúdios de gravação
são muito bons para o som, mas
muito ruins para a emoção.
Folha - Como será o show em SP?
Chao -Quando o fórum me convidou, a banda não estava montada nem pensávamos em fazer
uma turnê. Mas falei com Gilberto
Gil e decidi tentar, porque tenho
um relacionamento bom com Gil.
Consegui reunir alguns dos músicos da Radio Bemba e preparamos um show de certo modo único. Gostaríamos de aproveitar para ficar no Brasil e tocar em outros
lugares de que temos saudades,
como o Rio e o Nordeste, mas todos temos outros compromissos.
O guitarrista Madjid Fahem, por
exemplo, vai ser pai dentro de 15
dias e não poderia ficar aqui.
Folha - Em 2003, o projeto de seu
show na Espanha ao lado do músico
basco Fermín Muruguza suscitou
protestos e acusações de suposta
apologia ao grupo separatista ETA.
Cultura e política estão especialmente imbricadas nos dias atuais?
Chao - Eu me considero um artista, não um político. Evidentemente tenho minhas opiniões e
não as escondo. Mas estou muito
afetado pelas coisas que nos aconteceram no ano passado.
O governo [do ex-primeiro-ministro José María Aznar] tratava a
mim e a todos os músicos de Radio Bemba como terroristas. Era
uma atitude totalmente política,
para desacreditar todos os que
não pensavam como eles.
Também tenho muitos problemas na Itália do [premiê Silvio]
Berlusconi. Cada vez que vou tocar na Itália, há muita pressão policial em torno dos meus shows e
uma intenção declarada do governo de dizer, através da imprensa,
que meus shows e meu público
são negativos para o país.
A política na Europa tem interferido demasiadamente na cultura, desacreditando uns e valorizando outros que não valem nada.
Porém quanto mais os governos
fazem isso, mais temos de fazer
nossas vozes serem ouvidas.
Folha - O Fórum Cultural Mundial
pretende discutir os modos de produção e de circulação da cultura.
Qual é, na sua opinião, o principal
aspecto desse tema?
Chao - Estamos vivendo um momento muito interessante na música, por exemplo, com uma revolução decorrente dos problemas
enfrentados pelas gravadoras, que
tinham todo o mercado para elas.
Agora, está tudo mudando.
Chegou a internet e uma pirataria
cada dia mais forte. As grandes
gravadoras estão perdidas, sem
saber como reagir diante dessas
novidades. O problema básico
continua sendo o mesmo -não é
como produzir música, mas como distribuí-la, como fazê-la chegar até as pessoas.
A internet fez algo extraordinário, porque permite que qualquer
cara da periferia possa fazer sua
música chegar ao mundo inteiro.
A questão é saber como esse cara
pode ganhar a vida assim. A discussão é quem vai controlar a internet. As gravadoras estão tentando desesperadamente conseguir isso, para reservar o mercado
para si. Mas penso que elas dançaram. É tarde demais.
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