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FESTIVAL DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO
Criado há 24 anos, grupo equatoriano se destaca no evento com a peça "Nuestra Señora de las Nubes", de Arístides Vargas
Malayerba captura a memória pela raiz
VALMIR SANTOS
ENVIADO ESPECIAL A SÃO JOSÉ DO RIO PRETO
"Sabemos que se não lembrarmos quem fomos será impossível
sermos, seja lá o que for. É impossível ser sem o que se foi."
Ditas em espanhol ou transcritas para o português, as palavras
de María del Rosario Francés, 53,
bailam igualmente como num
vaivém de haicai. Ela é uma das
fundadoras do grupo equatoriano Malayerba (1979). Contracena
com o marido, o diretor Arístides
Vargas, 49, em "Nuestra Señora
de las Nubes".
O espetáculo passou pelo 3º Festival Internacional de Teatro de
São José do Rio Preto, que termina hoje (leia crítica abaixo).
Francés trata da matéria da memória como quem vela o sono de
um bebê recém-nascido. A peça
de Vargas promove o encontro de
um homem e de uma mulher em
terra estrangeira. Exilados, os personagens compartilham dores e
solidões. Seus intérpretes, Francés
e Vargas, se desdobram em outros papéis. Em histórias de sonhos, amor e poder dosadas com
realismo fantástico.
Aliás, a origem do nome do grupo faz jus. Certo dia, eles apresentavam o primeiro espetáculo do
grupo, um texto do comediante
italiano Dario Fo, num colégio de
freiras, em Quito, quando foram
tocados do local com laranjas nas
costas e gritos de "malayerba, malayerba!". Motivo: a cena em que
Jesus, o personagem, tirava um
"ranho" do nariz.
"Naquela época, os grupos nasciam e morriam quase imediatamente. Há uma expressão popular que diz que "malayerba nunca
muere" [a erva ruim pode equivaler, aqui, ao vaso ruim que não
quebra]. O desejo de que o teatro
não morra nos levou a optar pelo
nome", conta Francés.
Nesses 24 anos, o Malayerba segue acreditando que o teatro é um
bem simbólico. Por meio dele, da
ficção, afirma a atriz, pode-se descortinar uma realidade oculta. Ao
final de uma apresentação em Rio
Preto, Francés não hesitou em falar da fome em seu país, reforçando a "pausa dramática" em meio
aos aplausos.
"A fome é uma forma de perseguição política", afirma um personagem da peça.
"É preciso tirar as palavras das
sombras, não temer aquilo que
tem que ser dito", diz Vargas, que
nasceu na Argentina e partiu para
o exílio aos 20 anos.
Para Vargas, também autor de
"La Edad de la Ciruela" (1995),
encenada no Festival de Curitiba
em 2002, o teatro é uma experiência política, emocional. "Mas não
há aquele compromisso que se
entendia 20, 30 anos atrás, quando era preciso dizer uma verdade,
passar uma mensagem, em nome
de uma revolução", ressalva.
A revolução, afirma o ator-autor, se dá no palco mesmo, por
meio do gesto, do movimento, da
palavra. E lá estão Vargas e Francés, na terceira visita ao Brasil (o
grupo tem ao todo 11 atores), destilando o perfil amargo e, ao mesmo tempo, a ternura desses homens e mulheres que tentam lembrar algo que nunca poderão reconstruir, mas é palpável como a
memória das mãos.
3º FESTIVAL INTERNACIONAL DE SÃO
JOSÉ DO RIO PRETO. Último dia.
Quanto: De R$ 2,50 a R$ 10 ou entrada
franca. Mais informações pelo tel. 0/xx/
17/3215-1830. Co-patrocinador:
Petrobras.
Colaborou Sergio Salvia Coelho. O jornalista Valmir Santos, o crítico Sergio
Salvia Coelho e a fotógrafa Lenise Pinheiro viajam a convite da organização
do festival
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