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CRÍTICA
Espetáculo é pungente e transformador
SERGIO SALVIA COELHO
ENVIADO ESPECIAL A SÃO JOSÉ DO RIO PRETO
"Me parece ter visto sua cara em outro lugar", diz a
jovial senhora ao viajante ao seu
lado. "Impossível, minha cara
sempre anda comigo." Com essa
lógica das peças de Ionesco e a lírica indignação dos dramas de
Lorca, "Nuestra Señora de las Nubes" ganha a platéia de São José
do Rio Preto logo de início.
Imensamente humano, logo intensamente político, "Nuestra Señora" parte de uma denúncia da
condição precária dos exilados
para chegar a uma perplexa constatação sobre a precariedade do
mundo.
A tentativa dos dois conterrâneos dessa Macondo equatoriana
de reconstituir pela memória a
perdida cidade natal vai demonstrando a necessidade não de se
voltar a um passado idealizado,
mas de resgatar através da reinvenção do passado a dignidade
necessária para construir o presente.
Dessa forma, o espetáculo equatoriano faz um interessante contraponto com a outra atração internacional do Festival de São José
do Rio Preto.
Em "La Última Noche de la Humanidad", da companhia argentina El Periférico de Objetos, o filme caseiro que registra a infância
se autodestrói, e o grupo, encerrado em um cubículo estéril, se desumaniza por ter que viver em um
presente eterno, feito de respostas
mecânicas a ordens superiores.
Personagens fellinianos
Aqui, porém, estamos protegidos pela ternura da memória.
Graças ao extraordinário carisma
e à técnica precisa de María del
Rosario Francés, secundada à altura pelo também autor do texto
Arístides Vargas, desfilam personagens fellinianos, como a avó
guardiã do passado e seu neto deficiente ou a picaresca dupla que
passa o dia importunando as mulheres da cidade, cena feita diretamente com a platéia, na melhor
tradição popular.
A cenografia despojada e requintada -apenas malas e tecidos que vão desdobrando paisagens no palco nu- costura com
eficácia a estrutura musical do
texto, feito de frases e situações
que se repetem, às vezes desnecessariamente.
Apesar disso, o espetáculo é
pungente e transformador. Ao
sair do teatro, todos somos cidadãos de Nuestra Señora de las Nubes.
Avaliação:
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