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CRÍTICA
O anjo exterminador da novela das oito
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
No momento em que esta coluna é escrita, Fernanda
ainda não levou o tiro, mas pode-se dar como certa sua morte. Claro, estamos falando da personagem interpretada pela atriz Vanessa Gerbelli na novela das oito,
"Mulheres Apaixonadas" (Globo). As discussões bizantinas sobre a pertinência da causa mortis
da moça -vitimada por uma
bala perdida num bairro da zona
sul carioca- ao mesmo tempo
em que tocaram na questão sempre complicada do "realismo",
desviaram a atenção para a falta
de jeito com que foi tratada a sensibilidade infantil na novela.
Mais do que anunciada, a morte de Fernanda foi objeto de um
braço-de-ferro entre Manoel
Carlos e a subprefeitura do Leblon. Secundada por entidades
ligadas ao turismo que temem
que a violência do episódio prejudique a imagem do Rio, a subprefeitura tentou impedir a filmagem alegando complicações
no trânsito. O autor insistiu na
necessidade do "realismo" da cena para a credibilidade da trama,
falou-se em censura, aventou-se
a possibilidade de transferir a cena para São Paulo, o prefeito do
Rio, César Maia, interveio pessoalmente, e acabou ganhando o
tal realismo da novela.
Realismo? Será mesmo? O lugar do realismo nas novelas é tema vasto, que não se resolve com
facilidade, mas o episódio merece reflexão sobretudo por aquilo
que não entrou na discussão, o
fato de a filha, uma criança, ter
presságios sobre a morte da mãe.
Há vários capítulos, a menina
Salete (Bruna Marquezine) vive
momentos apavorantes. Sempre
de noite, um anjo aparece para
anunciar que a mãe vai morrer,
mas que, paradoxalmente, "vai
ficar tudo bem". A menina acorda chorando, aterrorizada. A
mãe faz aquilo que qualquer
adulto de bom senso deve fazer
diante do pesadelo de uma criança: diz à menina que sonhos e pesadelos não se tornam realidade.
Mas a mãe, a pobre, além de ter
que morrer, vai passar por tola,
porque, na verdade, ela está errada. O que a menina tem não são
sonhos maus, mas premonições.
Ora, a novela, ao "desautorizar" em público o discurso sensato que milhares de pais e mães
utilizam para acalmar seus filhos
que despertam assustados de pesadelos, tangencia a irresponsabilidade. Mais do que a exposição das maluquices sexuais e afetivas de adultos, alvo habitual do
moralismo imediatista que pretende proteger a inocência das
crianças, o sofrimento da personagem criança é o que cala mais
fundo na sensibilidade infantil e,
de certa forma, insinua que os
adultos não sabem o que dizem.
E, para além dos aspectos deseducativos, a introdução do elemento obscurantista -clarividência, anjos, visões- no mínimo empana as aspirações ditas
realistas do folhetinista Manoel
Carlos. Fica parecendo coisa da
Glória Perez.
biabramo.tv@uol.com.br
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