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Crítica/"Sem Sangue"
Alessandro Baricco pisa em solo pouco firme em guerra metafórica de romance
NOEMI JAFFE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Pode ser que a guerra de
que fala Alessandro Baricco em seu mais recente romance, "Sem Sangue",
seja uma guerra metafórica, já
que ele mesmo alerta para o fato de que a "escolha de nomes
hispânicos deve-se a razões puramente musicais e não pretende sugerir uma inserção
temporal ou geográfica dos
acontecimentos". Mas não há
como negar que soa estranho
pensar nessa guerra sem tempo
nem espaço, mas carregada de
nomes como Mato Rujo e Manuel Roca e Alvarez e Salinas,
num lugar deserto e ermo, com
um velho casarão abandonado,
e não pensar na América hispânica ou em guerras intestinas
de independência.
Por que a sonoridade dos nomes espanhóis? Será ironia?
Não há como saber, pois não há
mais passagens irônicas no livro. Então ficamos nós com esta guerra sem tempo nem espaço e com nomes que lembram
Borges e Carpentier. E, assim
como ocorre com os nomes,
ocorrem também outros desconfortos com esse romance
inegavelmente bem escrito.
Por que escrever sobre uma
guerra à la Hemingway, em pleno século 21, com algumas alterações narrativas e sintáticas
de difícil compreensão, que parecem imiscuir-se na temática
antiga de forma algo gratuita?
O romance fala de uma menina, Nina, que é trancada num
alçapão durante um tiroteio em
que são mortos seu pai e seu irmão. O matador que a descobre, Tito, é aquele que a salva,
pois não revela seu paradeiro a
ninguém mais. Décadas depois
de muito sofrimento, eles se
reencontram, e surge a questão
belíssima sobre o estranho vínculo que as vítimas parecem
precisar manter com os seus
carrascos.
Afinal, Tito é carrasco ou salvador? Matou seu pai e irmão,
mas a salvou e confessa nunca
ter sentido tanta paz como
quando a viu recolhida naquele
alçapão, em formato de concha,
com sua saia pregueada e exata.
O momento do encontro entre
um possível assassino e sua vítima e os imprevistos que podem surgir daí são mesmo decisivos (se não for em Hollywood, onde tudo parece mais previsível): o vilão pode ver a si mesmo
como nunca antes, a vítima pode querer morrer, a morte pode
ser melhor do que a vida. E, sem
dúvida, o momento em que surge a possibilidade de vingar-se
também é revelador.
Guerra contra o tempo
A vingança pode não fazer
mais sentido; o objeto da vingança pode ser uma pessoa
completamente mudada, que
também pode ter coisas a ensinar. Assumindo, então, que se
trata de uma guerra metafórica,
a guerra de cada um com o
transcorrer do tempo, com o
momento da morte, com a própria história e com os momentos que a definem (afinal, todos
sabemos que a vida de um homem é determinada por alguns
poucos instantes), por que o
jeito de guerra revolucionária,
por que os detalhes do casarão
em chamas, por que o ex-combatente que agora é dono de
uma casa lotérica?
Muitos romances são bons
exatamente por serem inclassificáveis. Mas a dificuldade em
classificar esta narrativa não
concorre exatamente para sua
qualidade. Trata-se de uma história em que nem a linguagem
(ousada, mas não muito), nem a
temática (já lida em vários outros romances) parecem pisar
em algum solo firme. Um livro
que não está nem lá nem cá e
sem a graça de uma instabilidade proposital. Como se fosse
um autor que domina plenamente a técnica da escrita e a
utiliza com destreza e competência. Mas a literatura é, felizmente, bem mais do que isso.
SEM SANGUE
Autor: Alessandro Baricco
Tradução: Rosa Freire d'Aguiar
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 29 (88 págs.)
Avaliação: regular
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