São Paulo, sábado, 28 de junho de 2008

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Secretaria anula concurso após denúncia

Resultado da competição que atribuiu R$ 5,6 milhões para 12 longas de ficção é suspenso; jurados voltam a se reunir na segunda

Cineastas pressionaram secretário a impugnar resultado por relação de um dos jurados com dois dos filmes vencedores

DA REPORTAGEM LOCAL

A Secretaria Municipal de Cultura anulou o resultado de seu concurso de patrocínio de longas-metragens de ficção, após identificar "vícios no processo de avaliação dos projetos", conforme afirma em nota, divulgada ontem.
Um grupo de cineastas denunciou ao secretário que um dos jurados, o distribuidor Jean-Thomas Bernardini, tinha vínculos com dois dos 12 vencedores. Os prêmios, anunciados no último dia 14, totalizavam R$ 5,6 milhões.
O júri do concurso foi convocado a se reunir novamente na segunda, exceto Bernardini.

Distribuição
A Imovision, empresa de Bernardini, tem contrato de distribuição com dois dos vencedores -"O Lixo Nosso de Cada Dia", de Philippe Barcinski, que recebeu prêmio de R$ 600 mil, e "Trabalhar Cansa", de Marco Dutra e Juliana Rojas, premiado com R$ 300 mil.
A definição do valor do prêmio atribuído a cada vencedor -até o teto de R$ 700 mil- cabia ao júri, presidido pela poeta Renata Palottinni e integrado pelo escritor João Silvério Trevisan, pelo diretor da Cinemateca Brasileira, Carlos Magalhães, e pelo jornalista Alcino Leite Neto, da Folha, além de Bernardini.
De acordo com o edital que estabelece as regras do concurso, "os membros da comissão de seleção não poderão ter quaisquer vínculos profissionais ou empresariais com as propostas apresentadas ou de parentesco com os proponentes" (item 4.2.2).
Bernardini afirma que a secretaria tinha conhecimento de seus contratos com os filmes vencedores. "Eu não me propus [a ser jurado]. Fui chamado e ainda insistiram. Entre 55 filmes, ou um distribuidor tem algum ou não é um distribuidor. Avisei a secretaria dos filmes com os quais eu estava envolvido", diz.
Procurada pela Folha, a Secretaria de Cultura decidiu se manifestar apenas em nota oficial (leia no quadro abaixo) e informou que o secretário Carlos Augusto Calil falaria sobre o episódio apenas na terça-feira, quando deve ser divulgado o novo resultado.
Francês radicado no Brasil há duas décadas, proprietário também do cinema Reserva Cultural e responsável pelo lançamento no país de filmes como "Dogville" (Lars Von Trier) e "Amantes Constantes" (Philippe Garrel), Bernardini afirma que sua ligação com os filmes concorrentes em nada influiu em seu julgamento.
"Francamente, que eu distribua o filme ou não, não influencia nem para o bem nem para o mal. Quem ganhou não tem que me agradecer e quem perdeu não tem que reclamar de mim. Defendo um tipo de cinema e uma ética da qual não vou abrir mão agora. Eles me fizeram trabalhar e agora meu nome está envolvido num escândalo. É constrangedor."
Palottinni afirma que desconhecia o vínculo entre o distribuidor e os concorrentes. "Quando presidi o júri, não tinha notícia de que havia um jurado que tivesse qualquer envolvimento com os projetos. Isso não me foi informado. A mim, Bernardini me parece uma pessoa correta, mas, se houve essa irregularidade, e isso cabe à parte administrativa da secretaria apurar, vamos ter que refazer os resultados", diz.

Preterido
Além da presença de Bernardini no júri, outros aspectos do concurso foram questionados por cineastas preteridos na disputa que, segundo a Folha apurou, pressionaram o secretário para impugnar o resultado.
Luiz Alberto Pereira afirma não ter feito parte do grupo, mas diz: "O concurso estava todo irregular. Se não fosse anulado, seria caso de [recorrer ao] Ministério Público". O fato de quatro vencedores terem suas tramas ambientadas em outros Estados fere, na opinião dos que protestaram, a exigência do edital de "vínculos culturais com a cidade de SP".
"Se meu projeto não fosse ser rodado aqui e eu visse um concurso que pedisse vínculo cultural com a cidade, eu nem me inscreveria", diz Pereira.


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