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Análise
Com John Neschling à frente, Osesp virou patrimônio comum
Maestro modernizou e desprovincianizou orquestra, que chegou a nível alto, mas estagnou
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
A Orquestra Sinfônica do
Estado de São Paulo vai
acabar? Essa tem sido a
pergunta mais freqüente dos
últimos dias, desde que o maestro John Neschling anunciou a
decisão de não renovar seu
contrato, que expira daqui a
dois anos.
A pergunta tem algo de catastrofista -uma característica
bem brasileira, de sempre ver
as coisas em tom alternadamente esfuziante ou trágico-,
mas entende-se a preocupação.
A diferença na vida musical da
cidade foi enorme, acompanhando o projeto Osesp, ao longo dos últimos 11 anos.
A qualidade musical da orquestra está acima de qualquer
dúvida: por consenso, ela é a
melhor que o país já teve, reconhecida como o melhor conjunto sinfônico das Américas,
sem contar os Estados Unidos.
E a Sala São Paulo, onde a
Osesp se apresenta três vezes
por semana, cerca de 40 semanas por ano, virou a cara musical erudita da metrópole.
Sob a direção de Neschling, a
Osesp serviu de modelo para
muitos outros quadros estáveis, não só de São Paulo. Dez
anos atrás, qual orquestra podia anunciar a programação
completa do ano seguinte com
meses de antecedência e vender assinaturas? Parece coisa
óbvia; mas ninguém conseguia
fazer o que agora virou rotina.
De sua parte, a Osesp tem hoje
mais de 11 mil assinantes.
Tudo isso, mais as turnês nacionais e internacionais, gravações de discos, edições de partituras, apresentações didáticas
e a Academia Osesp fazem parte de um projeto que soube
pensar grande; modernizou e
desprovincianizou um dos
campos mais renitentemente
conservadores da cultura.
Neschling não fez tudo sozinho -entre os que o ajudaram
a criar a orquestra estão alguns
dos atuais assessores do secretário de Estado da Cultura, que
ele hoje, no calor da discussão,
acusa de ser "mal assessorado".
Mas foi o maestro quem teve a
força pessoal de fazer as coisas
acontecerem, aliada à imaginação para construir programas
de interesse incomum. Aliada
também a um temperamento
que ele mesmo define como difícil, e a uma personalidade
centralizadora ao extremo.
Com Neschling, a Osesp chegou logo a um nível muito mais
alto do que se poderia ter sonhado. O que não quer dizer
que a orquestra tenha chegado
até onde pode ir, musicalmente. Faz bom tempo que a orquestra estacionou -num alto
nível, mas estacionou. Pode
crescer, como pode decair.
A Osesp vai acabar? Não há
por que pensar assim. A Filarmônica de Berlim não acabou
sem Karajan, nem a Filarmônica de Nova York sem Bernstein.
A Secretaria está certa de montar o "search committee" para
definir um novo nome para a
orquestra, capaz de dar conta
do projeto, em toda sua dimensão. É o que se faz, em qualquer
grande orquestra, como em
qualquer grande empresa.
Se se confirmar mesmo a saída de Neschling -essas coisas
sempre podem mudar, embora
tudo indique que não-, ele terá
legado à cidade e ao país o
maior projeto musical já conduzido nessa área.
Mas vale lembrar o bordão
publicitário, "pode aplaudir: a
orquestra é sua". Pois é. Criada
por ele, a Osesp virou patrimônio comum, maior do que qualquer regente ou governo. Todos passam, a orquestra fica, e é
bom que seja assim. Tempo de
crise é tempo de mudança. Se a
orquestra saberá usar a mudança a seu favor, ainda está
muito cedo para saber. Mas não
cedo demais para torcer.
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