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Lima Jr. constrói filme pessoal, para o público
Com elementos biográficos, "Os Desafinados" assume "desafio" de fisgar espectador
Diretor diz que chegou à "maturidade no cinema" com longa que estréia amanhã e que "não existe só o Brasil da favela'; ele vê tolice na crítica
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
O filme "Os Desafinados", de
Walter Lima Jr., que estréia
amanhã nos cinemas brasileiros, foi concebido em 6 de setembro de 1997, em Veneza.
Naquele dia, o diretor passeava pela praça San Marco,
frustrado por saber que seu "A
Ostra e o Vento", que disputava
o Leão de Ouro, saía do Festival
de Veneza sem prêmios do júri.
Vinda de um café na lateral
da praça, a melodia de "Insensatez" chegou aos ouvidos de
Lima Jr., 69, e o devolveu instantaneamente a um território
conhecido, ou melhor, a dois
-a bossa nova e o Brasil.
Rosto de mulher
Caminhando na direção do
som, o diretor avistou um flautista de cabelos curtos e corpo
miúdo. Chegou mais perto, até
que "ele" se virou, revelando
um belo rosto de mulher.
Essa cena foi transportada
para "Os Desafinados", com as
devidas licenças poéticas. A
praça deu lugar ao Central
Park, em Nova York. É lá que o
pianista e compositor Joaquim
(um Rodrigo Santoro vagamente inspirado em Tom Jobim) é atraído pelas notas de
"Copacabana", tocadas pela
flautista Glória Goldfaber
(Cláudia Abreu, de cabelos curtos e semblante radiante).
O romance dos dois é um dos
aspectos desse filme em que Lima Jr. retorna ao Brasil que sonhou ser moderno nos anos 60,
"para falar de amizade", diz.
Joaquim integra um quarteto de bossa nova e compõe a trilha do filme cinemanovista
"Bala Certeira", dirigido por
seu amigo Dico (Selton Mello),
que verá o longa ser decepado
pela censura. Aqui, o diretor
traz à trama elementos verídicos da trajetória de "Terra em
Transe" (1967), de Glauber Rocha, que ele seguiu de perto.
Lima Jr. já havia se apoiado
no cinema para exorcizar sua
experiência com a perseguição
no regime militar, quando fez
"A Lira do Delírio" (1978).
"Maluco"
Para explicar o longo tempo
que "Desafinados" levou para
chegar às telas, ele elenca razões pessoais e práticas. Há, de
um lado, certa vagareza intrínseca ao processo de reunir o orçamento (R$ 7,5 milhões) e diretores de marketing de empresas que usam as leis Rouanet e do Audiovisual para aplicar parte do Imposto de Renda
devido em produção cultural.
Para Lima Jr., esse é um tipo
de diálogo penoso. "Você fala
sobre o filme que quer fazer e
percebe a desconfiança [dos interlocutores]. Eles te olham como se você fosse um maluco. É
doloroso. É cansativo", diz.
Por outro lado, o diretor contém seu próprio ritmo. "Meu
nível de exigência foi sendo
ampliado. Não me interessa me
repetir, fazer o que já fiz. Celebro nesse filme minha maturidade em relação ao cinema."
Na relação de Lima Jr. com o
cinema, o público é um ingrediente indispensável. "Cultivo
o espectador que há em mim.
Faço filme para o público", diz.
Nesse ponto, ele se distancia
de diretores como Julio Bressane, que afirma fazer filmes para
si mesmo, por achar vã a idéia
de criar tendo em vista uma categoria abstrata como o público. "É uma coisa dele. Não discuto. Mas há um desafio em
quem faz cinema para muita
gente. É um prazer saber que
você se doou para o outro. Espero que qualquer um que faça
filme para o próprio umbigo
sinta isso", diz Lima Jr.
Na esfera da crítica, Lima Jr.
observa no país "uma disfunção, que é celebrar a inexperiência e a pura e simples investigação como sendo um grande
evento". Acha "ingênuo e tolo"
tratar o Brasil "como se fosse
um laboratório de linguagem" e
diz que, "para se fazer um filme
de arte aqui, basta uma coisa:
ser o primeiro filme".
Quanto à vertente atual de
filmes que tematizam a miséria, o diretor avalia que eles
"folclorizam a nossa identidade
no exterior".
Acha que esses filmes "não
são tão para o umbigo, mas para
o mercado internacional".
"Mas não existe só o Brasil da
"comunidade" [da favela]", diz.
Ao país em que vivem "Os Desafinados", Lima Jr. fez sua
"confissão de afetividade".
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