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Instalação de Eder Santos provoca espectador com verbetes simulando o comportamento humano
A enciclopédia da BESTA HUMANA
MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
Para saber o que é "humilhação" na "Enciclopédia da Ignorância", instalação do artista Eder
Santos, é preciso ajoelhar-se num
genuflexório, aquele estrado baixo de madeira que os católicos
usavam em casa para orações. A
imagem do espectador ajoelhado,
captada por uma câmera, funde-se com o retrato de mãe e filha
num monitor de vídeo. Quem ficar cinco minutos ajoelhado na
obra que será inaugurada hoje verá que o retrato move-se.
A liturgia exigida pelo verbete
"humilhação" não é um capricho,
segundo Santos, 43, o videoartista
brasileiro mais conhecido internacionalmente, que já participou
de duas Bienais. "É preciso ajoelhar-se não só para experimentar
um pouquinho o que é a humilhação, mas para entrar num outro
tempo, muito mais lento", diz.
Quem aceitar a sugestão do artista entrará num mundo em que
o barroco mineiro e o cinema mudo de Mário Peixoto (1908-92) parecem ter sido reestilizados num
laboratório de imagens da Nasa
-é mais ou menos assim o universo de Santos.
A "Enciclopédia" é composta de
seis verbetes: humilhação, inveja,
remorso, preguiça, ciúme e vício.
Cada um é apresentado num ambiente com trilha de Paulo Santos,
músico do Uakti. O artista fez o
projeto com o prêmio de US$ 35
mil que ganhou da Fundação
Príncipe Claus, da Holanda.
Os verbetes similares aos sete
pecados capitais, o genuflexório e
a origem mineira do artista podem induzir que se trata de um
trabalho com inclinações católicas. Nada mais equivocado, segundo o crítico holandês Tom
van Vliet, 49, diretor do World
Wide Video Festival, de Amsterdã, onde a instalação foi apresentada pela primeira vez, em maio.
"Religião não é a questão essencial. Os pecados capitais são metáforas de tabus contemporâneos", disse van Vliet à Folha.
Santos diz que foi criado num
ambiente católico, frequenta procissões desde a infância em Ouro
Preto (MG), onde viu pela primeira vez as imagens de santos com
cabelos humanos que o assombram até hoje, e sabe que não dá
para escapar dessa vivência. Mas a
"Enciclopédia", segundo ele, busca algo muito mais animal: "A
idéia era dar definições para coisas primitivas, essa coisa animal
que aparece em todo mundo, que
você não controla por mais sofisticado que possa ser".
Não espere definições muito literais dos verbetes. O que trata do
remorso, por exemplo, mostra
imagens de uma hera, a planta
trepadeira, ora verde, ora vermelha, projetada sobre um bloco
bruto de granito. Imagens antigas
dos familiares de Santos, encostados num Fusca vermelho, são intercaladas. O da preguiça mostra
uma gota numa pia (é imagem
projetada, mas o realismo é tamanho que a tentação é tocá-la).
No verbete mais literal, o do vício, um casal rola nu sobre um pó
branco. Poderia ser uma mera
ilustração sobre os males da cocaína não fosse o mundo que Santos extrai do pó branco; o movimento dos corpos forma uma espécie de baixo relevo, uma versão
eletrônica dos frisos gregos que
adornavam o topo dos templos.
A coisa mais rara é encontrar
uma imagem pura na "Enciclopédia" de Santos. Quase todas são
fundidas, colorizadas, processadas, distorcidas, com todos os erros e ruídos incorporados, num
acúmulo que lembra o procedimento do barroco.
Arlindo Machado, professor de
comunicação da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica) e da
USP, já escreveu que "Santos ataca em seus vídeos justamente a
perda de vitalidade das imagens,
sua redução a clichês gastos pelo
abuso da repetição".
O artista credita às montanhas
de Minas esse seu olhar. "A montanha é como o cinema. Você
consegue ver todas as texturas, a
profundidade, todas as sombras."
No próximo projeto de Santos,
um filme chamado "Blue Desert",
ele quer narrar a importância da
experiência, não das imagens (seu
primeiro filme, "Enredando as
Pessoas", é de 1995). No roteiro,
que está escrevendo com uma
bolsa que ganhou da Vitae, ele
conta a história de um homem
que sonha conhecer o deserto,
mas fica paralisado pelo medo.
Resolve o impasse com um robô
que vai até lá e transmite imagens
mostrando que a areia, as montanhas, o horizonte é azul. O homem vê tudo, mas não entende
nada. Só aí ele percebe que sonhos
e experiências são indivisíveis.
ENCICLOPÉDIA DA IGNORÂNCIA. De:
Eder Santos. Quando: hoje, às 19h; de ter.
a sáb., das 11h às 19h; até 11/10. Onde:
galeria Brito Cimino (r. Gomes de
Carvalho, 842, Vila Olímpia, região sul,
tel. 0/xx/11/3842-0635). Quanto:
entrada franca.
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