São Paulo, quinta-feira, 28 de outubro de 2010

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Festa pagã

Artista expõe fotos de festival celta dedicado à fertilidade

IVAN FINOTTI
DE SÃO PAULO

Como se fosse "La Maja Desnuda", de Goya, o rapaz olha para a câmara de maneira provocante. É barbudo, está deitado de lado num sofá de couro vermelho e apoia a cabeça num dos braços. Seu pinto pende, quase tocando o couro. Atrás, na janela da cabana toda de madeira, pode-se ver a vegetação cerrada da fazenda.
Estamos no campo, nas profundezas do Tennessee, terra da música caipira, do uísque de milho e dos rituais celtas de fertilidade.
Rituais celtas de fertilidade? Isso mesmo: todo ano, em maio, em uma fazenda a uma hora e meia de distância de Nashville, comemora-se o Beltane, festival pagão que marca a primavera e festeja a fertilidade, seja da terra, seja do homem.
É a segunda vez que o fotógrafo mineiro gUi Mohallem, 31, vem a esse festival quase secreto, certamente fechado, em que jornalistas não são bem-vindos. Ele tira a foto do rapaz de barba e se encaminha para fotografar um casamento pagão entre duas mulheres, no meio de um círculo de pedras. Depois, ele saberá que uma dessas mulheres havia nascido homem, mas virou mulher e então se tornara uma mulher lésbica, ao se casar com outra mulher.
Mas gUi (que não gosta de ser chamado de Gui) não está lá para registrar as pessoas andando peladas pela fazenda (e elas estão andando peladas), fazendo sexo na frente dos outros (e elas estão fazendo isso) ou mostrando o pênis para a câmera (e o rapaz barbudo está mostrando). gUi está lá para resolver questões pessoais e se deixar influenciar pela experiência.
Ele se apresenta, a Nikon F80 a tiracolo, e pergunta se pode fotografar a pessoa em dado momento, mas que não seria agora, que ela não perceberia, pois não seria foto posada. A maioria concorda. São 700 pessoas no festival.
"A câmera me ajudava a entender o que estava acontecendo", disse gUi, anteontem, na Galeria Olido. É lá que abre hoje uma exposição com algumas das fotos que fez no Tennessee. Pouco mais que uma dúzia. "Quero deixar a obra aberta para as pessoas preencherem."
Quanto à imagem do rapaz barbudo, é a mais explícita da série. "É a foto de que eu tenho mais medo, que me expõe, que me coloca naquele lugar. Não sou só um espectador; sou um ser desejante. Antes, nunca imaginaria fazer essa foto, muito menos expô-la. Mas achei importante, mesmo tendo medo de minha mãe vir ver a exposição."


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