UOL


São Paulo, domingo, 28 de dezembro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CRÍTICA

Apostas em dramaturgia reciclam idéias

BIA ABRAMO

COLUNISTA DA FOLHA

A Rede Globo finalizou o ano testando algumas de suas apostas em teledramaturgia para o ano. A julgar por "A Terra dos Meninos Pelados" e "A Diarista", exibidos no domingo passado, não há muito com o que se animar. Por razões diferentes, ambos os programas repetem idéias e formatos que melhor estariam se já tivessem sido abandonados há tempos.
O infantil até que se inicia bem, com roteiro baseado em texto homônimo de Graciliano Ramos. A adaptação parece também acertar, mantendo traços da atmosfera do original, como o cenário de cidade pequena e a caracterização algo antiquada da escola, ao mesmo tempo em que aproxima o espectador moderno com ligeiras atualizações de linguagem. Ponto para o casting infantil, particularmente Herval Silveira, que vive Raimundo Pelado, e Gustavo Pereira, o Pedro Bento, atores crianças distantes dos maneirismos sedutores de hábito.
Mas, às tantas, na verdade logo aos primeiros minutos do primeiro episódio, começa a cantoria -e aí o negócio fica cada vez mais parecido com (mau) teatro infantil, com letras sobre o mundo da imaginação etc. De onde tiraram a idéia de que dramaturgia para criança sempre precisa ser pontuada por números musicais para manter o interesse? E, pior, porque acham que as crianças devem ser conclamadas a imaginar e fantasiar? Ora, isso é algo que eles fazem tão naturalmente quanto respiram. Os adultos fariam melhor se simplesmente entrassem no jogo, como faziam Monteiro Lobato ou Steven Spielberg -e não ficassem tentando ditar as regras.
Em "A Diarista", o problema é outro. O dia-a-dia de uma empregada doméstica falante e extrovertida que trabalha com pessoas diversas até que não é um mau mote para uma comédia de situação -o entrecho é aberto o suficiente para um roteirista imaginativo imaginá-las em abundância. Cláudia Rodrigues é uma comediante talentosa, de fato, e os coadjuvantes, nesse episódio piloto, Marisa Orth e Cássio Gabus Mendes, foram escolhidos a dedo.
O diabo é a maneira entre condescendente e preconceituosa de caracterizar essa figura social tão onipresente na vida da classe média. Pobre, para virar personagem de TV, tem de ser perigoso ou engraçado no nível da caricatura. De qualquer maneira, sempre deve se mostrar a distância e a condição absoluta de alteridade, como a reafirmar que "esse pessoal não é como nós, temos de temê-los ou deles rir, para continuar a mantê-los afastados". Assim, a Marinete de "A Diarista" é quase almodovariana, tanto em sua "cafonice" no modo de vestir quanto na franqueza e no matraquear incessante com o indefectível sotaque nordestino via Rede Globo.
É pena que a teledramaturgia da Globo tenha que sobreviver sempre dos mesmos recursos.

E-mail: biabramo.tv@uol.com.br



Texto Anterior: Reclamações levam a reelaboração de critérios
Próximo Texto: Novelas da semana
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.