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CRÍTICA
Apostas em dramaturgia reciclam idéias
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
A Rede Globo finalizou o
ano testando algumas de
suas apostas em teledramaturgia
para o ano. A julgar por "A Terra
dos Meninos Pelados" e "A Diarista", exibidos no domingo passado, não há muito com o que se
animar. Por razões diferentes,
ambos os programas repetem
idéias e formatos que melhor estariam se já tivessem sido abandonados há tempos.
O infantil até que se inicia bem,
com roteiro baseado em texto
homônimo de Graciliano Ramos. A adaptação parece também acertar, mantendo traços da
atmosfera do original, como o
cenário de cidade pequena e a caracterização algo antiquada da
escola, ao mesmo tempo em que
aproxima o espectador moderno
com ligeiras atualizações de linguagem. Ponto para o casting infantil, particularmente Herval
Silveira, que vive Raimundo Pelado, e Gustavo Pereira, o Pedro
Bento, atores crianças distantes
dos maneirismos sedutores de
hábito.
Mas, às tantas, na verdade logo
aos primeiros minutos do primeiro episódio, começa a cantoria -e aí o negócio fica cada vez
mais parecido com (mau) teatro
infantil, com letras sobre o mundo da imaginação etc. De onde tiraram a idéia de que dramaturgia
para criança sempre precisa ser
pontuada por números musicais
para manter o interesse? E, pior,
porque acham que as crianças
devem ser conclamadas a imaginar e fantasiar? Ora, isso é algo
que eles fazem tão naturalmente
quanto respiram. Os adultos fariam melhor se simplesmente
entrassem no jogo, como faziam
Monteiro Lobato ou Steven
Spielberg -e não ficassem tentando ditar as regras.
Em "A Diarista", o problema é
outro. O dia-a-dia de uma empregada doméstica falante e extrovertida que trabalha com pessoas diversas até que não é um
mau mote para uma comédia de
situação -o entrecho é aberto o
suficiente para um roteirista
imaginativo imaginá-las em
abundância. Cláudia Rodrigues é
uma comediante talentosa, de fato, e os coadjuvantes, nesse episódio piloto, Marisa Orth e Cássio Gabus Mendes, foram escolhidos a dedo.
O diabo é a maneira entre condescendente e preconceituosa de
caracterizar essa figura social tão
onipresente na vida da classe média. Pobre, para virar personagem de TV, tem de ser perigoso
ou engraçado no nível da caricatura. De qualquer maneira, sempre deve se mostrar a distância e
a condição absoluta de alteridade, como a reafirmar que "esse
pessoal não é como nós, temos
de temê-los ou deles rir, para
continuar a mantê-los afastados". Assim, a Marinete de "A
Diarista" é quase almodovariana,
tanto em sua "cafonice" no modo de vestir quanto na franqueza
e no matraquear incessante com
o indefectível sotaque nordestino
via Rede Globo.
É pena que a teledramaturgia
da Globo tenha que sobreviver
sempre dos mesmos recursos.
E-mail: biabramo.tv@uol.com.br
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