UOL


São Paulo, domingo, 29 de junho de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A história oficial


Em dicionário voltado a novelas e entretenimento, Globo dá sua versão sobre a própria trajetória


LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Tema de teses acadêmicas e de variados tipos de livros, a Globo decidiu dar a própria versão sobre sua história. No próximo dia 15, chega às livrarias o primeiro volume do "Dicionário da TV Globo", com 1.500 verbetes que "definem" desde a mais remota novela até os recentes "reality shows".
É o primeiro resultado de um projeto de recuperação da memória das Organizações Globo. Formado em 1999, um grupo de historiadores, antropólogos, sociólogos e jornalistas vasculhou arquivos da empresa e de jornais e realizou mais de 200 entrevistas com atuais e ex-funcionários.
O "Dicionário" traz os nomes de todos os programas produzidos e exibidos pela Globo desde sua abertura, em 1965. No primeiro volume, são 220 novelas, 56 minisséries, 21 seriados, 49 humorísticos, 164 musicais etc. Os verbetes trazem sinopse, elenco e, muitas vezes, bastidores e comentários. Alguns ocupam mais de uma página ("Roque Santeiro", por exemplo, consome três).
A obra ganha sabor principalmente quando o texto foge da descrição seca. Pela primeira vez, a Globo assume, de forma institucional e organizada, analogias entre personagens da teledramaturgia e do cenário político brasileiro desses quase 40 anos.
É o caso de "Irmãos Coragem" (1970/1971), novela de Janete Clair. O verbete traça comparação entre a fictícia vila dominada por um "coronel" corrupto e o Brasil da época, governado pelo presidente Médici (de 1969 a 1974).
"Ficção e realidade também se confundiam no plano da política, com uma analogia entre a situação de arbítrio vigente no país e o poder desmedido do coronel na pequena Coroado. No Brasil governado pelo general Médici, o Estado perseguia os partidos de esquerda e permitia a tortura dos presos políticos nos órgãos de repressão. Em "Irmãos Coragem", Pedro Barros ditava a lei, corrompendo a polícia, comprando votos e oprimindo a população", diz um trecho do verbete.
Como num divã, a emissora opta ora por colocar o dedo em suas feridas, ora por não abordar assuntos mais complexos.
No verbete "Big Brother Brasil", não deixou de citar "Casa dos Artistas", "reality show" do SBT, e a disputa jurídica entre as emissoras. "Nessa época o SBT levava ao ar "Casa dos Artistas" com a mesma estrutura de "Big Brother". O Superior Tribunal de Justiça, no entanto, negou o pedido da TV Globo para suspender a transmissão de "Casa dos Artistas"."
Nos verbetes sobre Chacrinha, a emissora preferiu não tratar das denúncias de que artistas que iam a seus programas tinham de cantar em shows externos do apresentador sem cachê -a história foi confirmada à Folha por Leleco Barbosa, filho e diretor dos programas de Chacrinha.
"Foi uma acusação que só encontramos em jornais. Apesar de boas fontes, as reportagens trazem um debate e nem sempre são conclusivas. Como Chacrinha não admite a história em sua biografia, preferimos não abordar a questão", diz Sílvia Fiuza, coordenadora do Projeto Memória, que produziu o dicionário.
Historiadora com mestrado em antropologia, ela está na empresa desde 1980 e diz que os pesquisadores tiveram liberdade para tratar das passagens polêmicas. Trabalhando no limite entre uma obra institucional e histórica, Fiuza diz que seu maior desafio será o volume dois, sobre jornalismo.
Luís Erlanger, diretor da Central Globo de Comunicações, que escreveu a apresentação da obra, diz que a emissora avalia a possibilidade de lançar outros produtos no Projeto Memória, como DVD, e de colocar o "Dicionário" na internet. "Cada verbete é parte da história de nossa cultura."

DICIONÁRIO DA TV GLOBO. Editora: Jorge Zahar (tel. 0/xx/21/2240-0226; site: www.zahar.com.br). Quanto: R$ 59 (940 págs.).


Texto Anterior: Arquitetura do sagrado
Próximo Texto: Grupo pesquisa a cobertura das Diretas e de 89
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.