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ARTES
"Memoriais de Guerra" está em cartaz no museu Whitney de Nova York
Mostra relativiza espírito
bélico norte-americano
RAFAEL CARIELLO
DE NOVA YORK
"Estou ficando cansado de memoriais de guerra", diz David
Kiehl, curador da exposição que
tem esse nome, "Memoriais de
Guerra", aberta à visitação no
quinto andar do museu Whitney,
em Nova York, há pouco mais de
uma semana.
Não há contradição. A sala, na
verdade, é toda ela um monumento antiguerra, um libelo pacifista exposto num dos mais importantes museus dos EUA, servindo também para "saudar" a
Convenção Republicana, diz
Kiehl, que chega à cidade para,
nos próximos quatro dias, confirmar a candidatura do presidente
George W. Bush à reeleição.
Reúne obras como "O Alfabeto
Atômico" (1980), de Chris Burden, que atribui uma palavra, um
ideograma e uma imagem a cada
letra do tal abecedário. Entre elas
a de um bebê de duas cabeças no
M de mutante.
E, para que se entenda logo o espírito da coisa, uma das gravuras
da série "Projetos" (1970), de Robert Morris, sobre possíveis novos monumentos, descreve o modelo de "Arquivo da Infantaria:
Para Ser Visitado com Pés Descalços": num espaço público, blocos
ao redor de cadáveres nus -cada
soldado exibindo um tipo distinto
de ferimento de guerra.
Mas a contundência da crítica
não atinge só o atual governante,
que de fato já se definiu como um
"war president" (expressão que
pode ser traduzida como "um
presidente num período de guerra", mas também como "presidente da guerra"). Até os democratas procuram esquecer as críticas que o seu atual candidato,
John Kerry, fez à Guerra do Vietnã quando de lá voltou, acusando
seus companheiros de Exército de
cometerem atrocidades sádicas.
O pressuposto da exposição é
que esse espírito bélico e apoio irrestrito à ação militar que ainda se
vê entre os políticos americanos
não é unânime no país.
Desde o Vietnã, pode ler o visitante, houve "profunda mudança
e divisão na percepção nacional"
sobre as guerras, "que persiste em
toda a sua ambigüidade até hoje".
A boa tese de Kiehl é que essa divisão ou ambigüidade vem à tona
e se dá à percepção de dois modos: explicitamente nas obras que
ele reuniu na mostra e menos escancaradamente nas mudanças
que sofreram os próprios monumentos que celebram as participações americanas em guerras.
Ele afirma que memoriais de
guerra deixaram de ser simbólicos -estátuas recordando feitos
históricos ou batalhas específicas- para se tornarem "pessoais": o monumento em memória ao Vietnã teria sido o primeiro,
ele diz, a simplesmente listar os
nomes dos mortos, como maneira de recordar a guerra.
O procedimento também foi
utilizado para lembrar o ataque
do 11 de Setembro às torres do
World Trade Center. Claramente,
para Kiehl, a mudança denota falta de orgulho no feito que está
sendo lembrado. Levando a idéia
ao limite, diz: "Um memorial para
a Guerra do Iraque seria ridículo".
O passo seguinte, realizado com
mão às vezes um pouco pesada,
está nas obras dos antimemoriais
do Whitney. Em mais uma da série "Projetos", o artista apresenta
o modelo para o monumento
"Cratera com Fumaça", que lembraria uma hipotética guerra com
um buraco no chão.
A sala parece pertencer a um
país diferente das obras expostas
no espaço ao lado, em que obras
da juventude de um dos maiores
pintores americanos do século 20,
Edward Hopper, já trazem a solidão calma característica de seus
quadros, envolta em manhãs e
entardeceres em paz.
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