|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MÚSICA
Criador do sintetizador "comercial" conta trajetória dos sons eletrônicos
"Retrofuturismo" traz "feiticeiro" de volta à cena
STÉPHANE DAVET
DO "LE MONDE"
Na grande convenção da Internacional Eletrônica, em Barcelona, por ocasião do Sónar, um septuagenário com cara de cientista
distraído destoava em meio à juventude boêmia. Robert Moog estava lá para fazer uma palestra, espremida entre dois sets de DJs.
Autodefinido como "cahoona"
("feiticeiro", em polinésio) da tecnologia, o norte-americano é testemunha de que a música eletrônica, apesar de seus ares futuristas, tem um passado.
Seguindo o exemplo de Thaddeus Cahill e seu Telharmonium,
de Jörg Mager e seu Sperophone,
de Maurice Martenot com as ondas Martenot ou de Max Mathews, o primeiro a sintetizar sons
em computador, Robert Moog,
inventor do primeiro sintetizador
"comercial", é um pioneiro das
máquinas musicais.
Na adolescência, entusiasmado
por montar coisas, se deixou envolver pela magia do Thereminvox. Criado em 1920 pelo russo
Lev Sergeyevitch Theremin, o
aparelho consiste de duas antenas
e não requer contato físico entre o
músico e a máquina. Ao mover a
mão entre as antenas, se produz
um vibrato.
Desde o final da Segunda Guerra Mundial, o instrumento começou a ser ouvido na trilha sonora
de filmes de terror e de ficção
científica. "Aqueles sons me intrigavam", diz Robert Moog, "mas o
que me fascinava mais era a tecnologia do aparelho, aqueles tubos, aqueles osciladores. Havia
revistas que explicavam como
montar um Theremin a partir de
um kit, e foi assim que comecei".
Engenheiro eletrônico, seu pai
transformara uma sala na casa da
família em um pequeno laboratório. Com o filho, passou a se divertir vendendo a invenção do soviético. Em uma época na qual a música eletrônica não passava de um
artesanato balbuciante, os sonhos
dos usuários deram forma às
idéias para o futuro. "O que deflagrou o processo", recorda o inventor, "foi um encontro com
Herbert Deutsch, professor que
ensinava solfejo usando um Theremin. Ele também compunha e
tinha paixão por registrar sons
eletrônicos. Propus construir
uma máquina para ele". Em 1964,
o primeiro sintetizador modular
suscitou tamanho interesse que
Moog decidiu empreender fabricação em escala maior.
O inventor se diverte ao imitar
as notas geradas por sua invenção. "Contribuí com duas inovações principais, a redução da dimensão das máquinas, que até ali
ocupavam salas inteiras, e o comando da tensão do oscilador, do
filtro e da amplificação. O som
obtido deixava de ser linear e se
tornava evolutivo."
Os ruídos bizarros seduziram
uma indústria sempre ávida por
engenhocas. "Numerosas estações privadas de rádio e TV dos
EUA davam emprego a muitos
produtores especializados em
efeitos sonoros e jingles. Eles rapidamente adotaram o Moog como
equipamento. Por volta de 1967, a
maior parte dos norte-americanos já tinha ouvido o som de um
sintetizador Moog, sem saber do
que se tratava", diz.
O jazz e o funk também
Ninguém havia percebido o verdadeiro potencial musical desses
sintetizadores até 1968, quando
foi lançado "Switched on Bach",
de Walter Carlos, transformado
em Wendy Carlos, por obra de
uma operação. Ele(a) adaptou
Beethoven e Rossini para sintetizadores, depois de Bach, e compôs a trilha sonora do filme "Laranja Mecânica" (1971), de Stanley Kubrick.
Os sintetizadores de Robert
Moog vieram a se constituir em
gênero musical separado. "Moog
Plays the Beatles", "Moog Power",
"Moog Strikes Bach".
No começo dos anos 70, o rock
começou a exibir tendências futuristas e neoclássicas e se tornou
um novo campo para experiências. Moody Blues, Emerson, Lake
& Palmer, Yes e Edgar Winter são
alguns dos usuários das ondulações sonoras características dos
produtos Moog, em seus discos e
nos palcos.
Um dos modelos, o Minimoog,
cujo tamanho e facilidade de operação eram revolucionários, se
tornou equipamento padrão do
rock progressivo. O jazz, com
Herbie Hancock e Chick Corea, e
o funk, com o Funkadelic de
George Clinton, não se deixaram
ficar para trás.
Em 1971, a empresa de Moog
empregava 42 pessoas e tinha um
catálogo com mais de 25 modelos.
Mas o declínio começava. Robert
Moog vendeu sua parte na empresa à Norlin Music, que continuou produzindo seus sintetizadores até a metade dos anos 80.
O inventor reduziu seu ritmo de
trabalho nessa época, que marcou
a chegada da tecnologia digital. Se
a música eletrônica voltou a prosperar com o hip hop, house e tecno, a era digital, os samplers e os
controles informatizados tornaram obsoletos os sintetizadores
analógicos, cujos sons sempre foram difíceis de dominar e cuja reprodução era complicada.
Mas, no começo dos anos 90, artistas como Air, Beck e Radiohead
redescobriram os sintetizadores
do passado. Relançada em Ashville (Carolina do Norte), a Moog
Music vem aproveitando o sucesso da moda "retrofuturista". O
"cahoona" continua a supervisionar o lançamento de novos produtos, como o Minimoog Voyager, combinação de sintetizador
analógico e memória digital.
Mas, aos 70 anos, Robert Moog
aspira a uma vida mais tranqüila.
"Com minha mulher, professora
de filosofia aposentada, me interesso pela natureza da realidade.
Vim a compreender recentemente que o mundo físico é apenas
um dos níveis dessa realidade. Cada vez mais cientistas estão conscientes de que existem outros níveis de tempo e espaço."
E, para ilustrar essa busca de
uma nova dimensão, nada melhor do que imaginar as estranhas
modulações de um Moog.
Tradução de Paulo Migliacci
Texto Anterior: "Mago", Jeff Mills ultrapassa limites da dance music Próximo Texto: Artes: Mostra relativiza espírito bélico norte-americano Índice
|